Sábado, 6.
2. Ainda a noção de pecado. O filósofo
André Comte-Sponville perguntava no seu livro L´esprit de l´athéisme se podemos passar sem a religião. Dito de
outro modo, se podemos viver uma espiritualidade sem Deus. Eu penso que sim, mas
então temos que escolher uma qualquer outra divindade, porque a espiritualidade
sempre esteve ligada aos deuses através dos tempos, de Homero aos Estoicos, de
Pascal a Green. Não é a definição de Deus que prova a sua existência, mas o
abismo contingente onde a certeza ou a incerteza faz vacilar a razão. No Antigo
Testamento não encontramos o pecado como transgressão duma lei moral, mas de
uma ruptura consciente do crente com Deus. A essência bíblica do pecado, tem em
conta algo concreto que tem a ver com a aliança divina. É mais tarde que a
noção junta com preceitos decretados no Novo Testamento, que tudo muda, embora,
nele se registe que Jesus procura o contacto com os pecadores. Assim como a
ideia do Pecado Original. A Bíblia, apesar de todos os tormentos das sucessivas
traduções, não fala nisso. Foi Santo Agostinho no século V que o introduz. S.
Paulo havia suscitado uma reflexão sobre o desobediência de Adão e Eva e, por
conseguinte, a perdição no pecado da carne. Justamente Santo Agostinho que
tinha sido um grande pecador (carnal) antes de abraçar a vida monástica. A
partir de então, a Igreja latina submeteu os fiéis à tortura da abstinência
sexual. O pecado da carne passou a ser o único que a Igreja de Roma numa
obsessão doentia designa como o supremo pecado. Curiosamente, os nossos irmãos
ortodoxos, têm outra concepção e nada querem saber do que se passa do umbigo
para baixo. Para eles é pecado o que acontece da cintura para cima, isto é, o
que consente o cérebro que tudo comanda. A grande questão, aquela que nos faz
tremer a todos, é a que os franceses chamam o Salut, que poderíamos designar por salvação das nossas almas ou
mais precisamente a Eternidade. A este propósito Wittgenstein observa: Si l´on entend par éternité non la durée
infinite mais l´intemporalité, alors il a la vie éternelle celui qui vit dans
de présent. Sábia análise. Como por outras palavras havia dito Séneca. Resumo
assim este meu pensar: se o meu semelhante é feito à imagem de Deus e como tal
meu irmão, ao ofendê-lo, ofendo a Deus.