segunda-feira, abril 29, 2019

Segunda, 29.
O Corregedor quando me quer atacar, utiliza sempre os mesmos argumentos: “Tu que és um tipo inteligente, culto, mas, desculpa dizer-te, pouco informado em leis.” Eu não me chateio e como poderia eu fazê-lo se tenho imensa simpatia por ele! Acontece, porém, que eu não sou legislador, nem tão pouco político ou advogado. A mim o que me interessa é aquilo que me toca, aquilo que raspa com dor a minha corda sensível: as injustiças, a falta de dignidade, a eterna posição do país na cauda da Europa, a arrogância dos governantes achando-se superiores à maioria, os possidónios que cresceram com a democracia, esta ditadura disfarçada que vai marginalizando todos e cada um, a falta de respeitabilidade dos funcionários face às pessoas, a impressão que ninguém pensa pela sua cabeça, entregando-se às leis que são feitas nas centrais de advocacia não eleitas pelo povo ou pelo Parlamento cativo dos partidos e assim. Somos governados por uma série de galos que saltitam na capoeira onde as galinhas  sobrevivem enjauladas num colete de regras, do fabrico da Bola de Berlim ao sol que nos ilumina.  A vaidade e presunção é tal, que é vê-los pularem do poder apeados pelo voto, para esse outro palanque de domínio que é a televisão. Não preciso de conhecer as leis, basta-me sentir a vertigem e as consequências delas trabalhadas para fazer triunfar os advogados nos tribunais onde o pobre não tem entrada.

         - Não está ainda inteiramente seguro o Sri Lanka. O exército continua a procurar os culpados dos atentados às igrejas e hotéis, em Colombo, Domingo de Páscoa. Assim há dois dias a polícia encontrou 15 cadáveres no cerco que fez a um casebre a Leste do país. Como uma quantidade considerável de material bélico. Das oito explosões de Domingo da Ressurreição, resultaram 253 mortos e 500 feridos. Entre os falecidos, está um português que estava em viagem de núpcias. 

         - Nova fuzilada numa sinagoga nos Estados Unidos. Três feridos, uma mulher que enfrentou o assassino, está no hospital em estado grave. 

         - Os espanhóis foram sages e não deram a maioria absoluta ao PSOE. O pobre do Pedro Sánchez vai ter que partilhar o poder! Em grande medida é graças a ele, que o VOX entrou no Parlamento (a questão da Catalunha, o caso da exumação de Franco, os imigrantes). Espero que os portugueses façam o mesmo e não deem a maioria aos socialistas.

         - A questão da água que a Câmara de Palmela me cobrou indevidamente, ainda não está concluída. Nesse sentido, enviei este e-mail à ERSAR:

Caros Senhores,

Agradeço o e-mail com data de 11 deste mês relativamente ao conflito que mantenho há dois anos com a Câmara Municipal de Palmela, respeitante ao consumo de água e consequente débito descabido.

Eu julgava que esse Organismo tivesse um olhar e competência diferentes sobre o assunto exposto, mas enganei-me. Tenho, portanto, de me render à evidência: sou um criminoso e como tal vou ter que sofrer as consequências de um crime que não cometi, mas que os senhores e a Procuradora da justiça a quem também me dirigi, reconhecem.

Todavia, o que há de dramático nesta situação, é o facto de o cidadão, num regime democrático e republicano, estar tão fragilizado face a factos evidentes, que passam a ridículos quando a lei se interpõe. Sobretudo leis que não são da República, mas de uma Câmara minúscula que faz leis decerto de braço no ar.

Mais: o Estado e as autarquias não confiam nos cidadãos, tomam-nos a todos por corruptos, aproveitados, esbanjadores, cometendo concussão deliberada à lei. Sérios e honestos, competentes e cívicos só os políticos que são imaculados em Portugal não conhecendo nós nenhuma excelência pervertida.

É certo que os senhores e a senhora Procuradora me aconselham a seguir para a Justiça com o caso estando implícito que compreendem a minha revolta. Hesito em o fazer. Sei que espécie de funcionalismo existe no nosso país, e não quero pagar para ouvir aquilo que milhares e milhares de funcionários dizem nas repartições públicas: “É da lei!” Para isso, do meu modesto ponto de vista, não é preciso o exército de empregados estatais – a lei aplica-se, como nos regimes ditatoriais, cega e arrogantemente.

Dito isto, não me surpreendem movimentos como os dos gilets jaunes. Quando o cidadão é humilhado e ostracizado, a democracia e o Estado de direito saem de rastos.

Com os piores cumprimentos.

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domingo, abril 28, 2019

Domingo, 28.
Enfim, está Duarte Lima na prisão. O homem que se ofuscou com a riqueza, o poder, a importância dos cargos que em democracia deviam ser encarados por transitórios e entre nós são o escândalo da arrogância, da corrupção, do compadrio e da mentira. Espero que ele no silêncio do cárcere, desfie a sua ascensão meteórica e a queda abrupta que desnudou por completo uma vida alicerçada em valores que nada tinham de humano e muito menos de solidários. Resta-lhe provar que não matou a companheira de Tomás Feteira como pretende a justiça brasileira. Este Lima como aqueloutro Vara, são o retrato de uma sociedade nascida no 25 de Abril e cujas ramificações ainda persistem (caso de José Sócrates e muitos autarcas e deputados) e são culpa directa da nossa Justiça aliada ao poder onde abundam os primos, as esposas, os sobrinhos e os sítios em código das contas offshore.   

         - Vasco Pulido Valente, no Público de ontem, fala do 25 de Abril de 1974 nestes termos: “Vieram à televisão uns militares caducos parecendo ofendidos por se chamar “selvagem” à assembleia do 11 de Março. E tentando esconder os fuzilamentos que lá propuseram personagens de peso, milicianos, anónimos, e um grupo extraviado do MRPP. Peço desculpa. Ainda me lembro de Álvaro Cunhal, num excitado comício, prometendo aos camaradas, que gritavam “uma só solução, fuzilar a reacção” que não perdiam pela demora. O delicioso dia “inicial, inteiro e limpo” de Sophia de Mello Breyner foi a caverna dos ventos da violência. Os militares não tinham absolutamente nada de democrático. O 25 de Abril não se fez pela liberdade; fez-se para a tropa voltar para casa. E uma bela manhã, Álvaro Cunhal desembarcou em Lisboa imitando deliberadamente a chegada de Lenine à estação da Finlândia.”  

         - Os gilets jaunes  respondem a Chou Chou voltando à rua. Em Estrasburgo houve mesmo sérias escaramuças. A mensagem é sempre a mesma: dégage!


         - Moçambique foi de novo atacado pela desgraça. O ciclone Kenneth fez monstruosas inundações e o país que era já pobre, ficou de rastos com novas epidemias a perfilarem-se no horizonte.

sábado, abril 27, 2019

Sábado, 27.
Já de posse do cartão Navegante, fui ao encontro dos amigos na Brasileira. Encontrei apenas o nosso “capitalista” senhor Castilho e com ele estendi a manhã em amena cavaqueira de um interesse extraordinário. O homem conheceu meio mundo do antigamente o que não surpreende dada a sua provecta e sólida idade. Uns quantos como Franco Nogueira até na intimidade. A ideia com que fiquei – questões políticas de lado, distanciamento impondo-se – é que era gente de bem, honesta e com vidas simples. Outra coisa curiosa, foi a revelação do neto que eu conheço, 17 anos, filho de pais separados. O equilibro do rapaz, encheu-me de júbilo e abateu o que eu normalmente penso desta geração de robots submissos da sociedade de consumo. Enfim, chegou o meio-dia. João Corregedor entrou e o Castilho debandou. Os dois estão de costas voltadas, dado que o João o trata de fascista e epítetos do género. A seguir surgiu a Teresa Magalhães e o telefonema do Guilherme num desafio para irmos a doca de Belém almoçar. Parente, generoso, veio-nos buscar ao Chiado e num instante estávamos à mesa, com o rio bruxuleando sob o sol claro. Muita conversa, política a martelo. A dada altura entrou-se no periclitante tema das reformas e das diferenças entre o sector público e o privado. Eu disse de me minha justiça e João não gostou. A Maria, filha do Guilherme que eu tinha na frente, piscava-me o olho, cúmplice. E que dissera eu de tão reaccionário? Que os cônjuges não deviam assumir após a morte de um a reforma do outro, que os senhores deputados não deviam ter aposentação nenhuma por uns quantos anos no Parlamento, a maioria deles fazendo apenas corpo presente ao serviço dos partidos. Corregedor revolta-se. No final eu disse esta coisa para mim elementar: estou sempre disposto a defender os mais fracos, os que sobrevivem, os que estão hoje em democracia como estiveram em ditadura nas franjas humilhantes da sociedade. Enquanto o João observa tudo do lado da ideologia; eu sou mais pragmático e olho nos olhos aqueles que os sistemas político-sociais humilham, renegam e atiram para as bordas dos dias de desespero.

         - O “penso eu de que” do homem que dirige o FCP, está por todo o lado na literatura portuguesa moderna e nem a excelente tradução da obra de Goethe, Afinidades Electivas, escapa.

         - Saiu o Black, chegou o cuco.

         - Já estou, talvez, em posição de afirmar que o passe Navegante foi uma óptima ideia da Esquerda, mas que foi mal preparada. Porque das muitas vezes que entrei no Fertagus, a sensação com que fiquei, é que não são pessoas que viajam comigo, mas gado. Já assisti, inclusive, a discussões pela disputa de lugares sentados. E ainda não chegou o Verão. Então se verá a revolta dos que querem passar o dia na praia e não ver meios de transporte para tanta gente.

         - Vou despachar-me para Setúbal ao encontro do pintor Carlos Rocha Pinto. Intercedi para que ele fizesse uma exposição na galeria do Café da Casa e quero acompanhá-lo nas démarches necessárias.

         - Estes versos de Fernando Pessoa nos pacotes de açúcar da Brasileira:  

                                     O moinho de café
                                     Mói e faz deles pó.
                                     O pó que a minh´alma é.

                                     Moeu quem me deixa só.

sexta-feira, abril 26, 2019

Sexta, 26.
Quando um político fala de mais eu coloco-me automaticamente na retranca. No caso do Presidente de França, ele é uma formidável máquina falante. Ouvi-o ontem e nalgumas medidas que ele pretende implementar, nós estamos mais avançados, nomeadamente, na descentralização de serviços e acesso aos mesmos mais equitativamente distribuídos, por exemplo. Ele fechou e suprimiu nos últimos anos imensos desses postos, mas agora anuncia a criação de dependências pública ditas France Publique. O homem blá-blou duas horas e meia, sem um minuto de reflexão ou hesitação, projetando propostas vagas. Muitas delas são curiosas e interessantes, resta saber como vai Chou Chou pô-las em acção. Se me convenceu? Não. Estou curioso em ver o que vão dizer nas ruas amanhã os gilets jaunes.

         - Ontem ao serão, fechado o livro que estive a ler, contrariamente ao que é habitual em mim que tenho o tempo programado, deixei-me ficar no salão a saborear o momento antes de subir para dormir. O candeeiro aceso era uma presença serena, e a divisão mergulhada na penumbra, convidava à meditação enquanto o olhar percorria o espaço familiar. A Annie que aqui esteve há duas semanas, ficou surpreendida com a désordre que encontrou, onde os livros estão em desordem por todo o lado e a multiplicidade de objectos artísticos enchem paredes e mobiliário. Esta atmosfera foi-se construindo sem que houvesse da minha parte qualquer intenção. Também nunca tive a obsessão da posse, quando muito a ideia de um ideal, de um sonho quase nunca realizado, sobre o qual a minha imaginação entrava construindo um absoluto vagabundo. Os anos interpondo-se, verifico com surpresa quanto acumulamos ao longo da nossa história, quanto de nós se imobilizou diante dos nossos olhos já alheados das circunstâncias que lhes deu vida. Vivemos rodeados de inutilidades, de algum modo de lixo, afundados num mausoléu que a morte não reconhece. Na minha morada interior, há todavia um muro a separar tudo o que me rodeia.

         - Black desapareceu. Há cinco dias que não aparece.


         - Sono agitado. Talvez devido aos cafés que ontem beberiquei por aqui e por ali: com a Maria José, os meus vizinhos que deixaram Paris definitivamente, um amigo que avistei na vila, o primeiro café aqui em casa. Não sei como pode o João dormir com vinte bicas que toma todos os dias.

quinta-feira, abril 25, 2019

Quinta, 25.
“O capitalismo é o único sistema económico na história da humanidade que mostrou ser capaz de gerar prosperidade, diz Paul Collier no livro The Future of Capitalism, citado por Agostinho Pereira de Miranda no Público, mas o foco implacável no lucro e a cada vez maior desigualdade distributiva de rendimento e oportunidade fê-lo perder, política e moral (mente).” A propósito da globalização, afirma “os grandes beneficiários são os advogados e banqueiros que deviam ser tributados pelas vantagens desproporcionais que daí retiram profissionalmente”. Assim, quanto ao capitalismo, estamos conversados: la boucle est bouclée.


         - Em maré de citações, aqui vai mais uma de Albert Camus que se encaixa bem no dia de hoje: “Je suis avare de cette liberté qui disparait dès que commence l´excès des biens.” L´envers et l´endroit.