terça-feira, abril 02, 2019

Terça, 2 de Abril.

Enfim as rotinas instalam-se o que é salutar ao meu viver e, sobretudo, à actividade intelectual. Acabei de deixar os meus amigos no aeroporto e voltei rápido para erguer a taça do silêncio e da beleza que me cerca. O meu vizinho está a fazer um trabalho absolutamente notável. Depois de ter tratado a terra por várias etapas e processos que duraram pelo menos dois meses com homens a trabalhar dez horas/dia, entrou por estes dias uma máquina que enterra suavemente na terra cada estaca de videira. Estas são alinhadas automaticamente, formando um campo mortuário de onde surtirá vida. Ao todo estão quatro pessoas a trabalhar com a máquina que a cada bacelo dispara um som seco. Há milhares de soldados trinca-espinhas ao longo dos não sei quantos hectares. Quando o sol está na horizontal, estes multiplicam-se dando lugar a um exército silencioso que pede ao céu um pouco de chuva. Diz-me o meu vizinho que cada esqueleto vai ter a orientá-lo no desenvolvimento um pequeno aspersor de rega. Tudo isto é fantástico, genial mesmo! Depois de uma perigosa floresta, tenho agora o repouso que mais tarde se traduzirá naquilo que Galileu dizia - “o vinho é uma mistura de luz e alegria”. Ninguém imagina a exultação que a decisão do meu vizinho em voltar a plantar vinha trouxe ao meu quotidiano. Uma catadupa de memórias, sorrisos, fins-de-tarde quentes, rumor de mulheres e homens transportando cestos, cantares madrugadores, chapéus de palha, lenços coloridos e expressões felizes, tudo isto mais a sensação de tranquilidade e segurança, de paz e encanto para o olhar, o cérebro em contemplação, o rumorejar das abelhas, o horizonte desimpedido, a casa, esta casa, plantada por assim dizer no meio da vinha com seus cachos brilhantes e suas folhas ocres no Outono, uma paisagem que voltou não só do passado aferrolhado nas reminiscências juvenis, como ao presente aberto às claras e luminosas manhãs de um novo mundo.