Sábado, 6.
Nestes
dias vividos por assim de dizer em família, eu que sou o oposto a essa
instituição dúplice, mas que assumo apreciar quando entre amigos por mim
escolhidos e por eles estimado, sendo esta a melhor e mais pura ideia de
família, diverti-me imenso. A Annie, coitada, está cada vez mais taralhouca e
muitos são os episódios que me desconcertaram e divertiram, não aceitando eu ou
aceitando como natural, que com a idade nos tornemos uma sombra do que fomos,
sem que com isso, à maneira católica do coitadinho, tenhamos de encarar os
factos delicados da velhice com o gesto da caridade que em vez de afagar
acentua o fosso geracional. Porque mesmo velhos não perdemos necessariamente o
humor, nem o espírito criativo se afasta do jovem que cada um de nós foi.
Recordo mais uma vez a célebre frase de Oscar Wilde: “O drama da velhice é que
não envelhecemos por dentro.” Vem isto a propósito de uma cena ocorrida durante
a noite. Estando eu a dormir o mais profundo sono dos justos, eis que acordo
com a Annie a pedir desculpa por se ter enganado na porta. Acontece que a casa
de banho dos hóspedes, fica mesmo ao lado do quarto que eu reservei para ela e
o marido. Readormeci de imediato. Daí não sei a quanto tempo, desperto com um
“ai” tremendo porque senti que alguém se deitava ao meu lado. (Travo aqui por
não conter ainda agora as gargalhadas.) Era a Annie “pardon, pardon, Helderrr” e ala, tonta, em busca do seu aposento. No
dia seguinte ao pequeno-almoço “em família”, contei o sucedido, acrescentando
os meus sentimentos. Expliquei eu que quando dei conta que uma mulher se
deitava na minha cama, estranhei e rebobinei a fita do tempo em busca da última
data que tal me aconteceu. Depois pensei que poderia ser um fantasma travestido
para me excitar. Ora, como dizem que os fantasmas são masculinos, hesitei,
estupefacto, a ver no que dava aquela investida nocturna. Apreça-se a Annie:
“Pois, o que tu querias era que tivesse sido um homem!” Gargalhada geral. O
episódio porém, foi tão divertido que levei mais de uma hora a readormecer
atacado de riso: “Uma mulher a enrolar-se neste corpinho de seda, oh, oh, oh!”,
repetia e ria e ria.
- Leio nesta altura dois autores
completamente opostos: Green e Matzneff e entre eles Goethe e o seu maravilhoso As Afinidades Electivas com prefácio e
notas de João Barrento.
- Cavaco Silva deixou as catacumbas
onde depositou a sua máscara sinistra, para se insurgir contra as horas abolidas
no SNS, a descida do IVA, a supressão de impostos aos mais desfavorecidos, e
mais não sei o quê, tudo em nome da economia! António Costa respondeu
à maneira ao contabilista pelintra e ganancioso, raivoso e vingativo, apesar de
se dizer católico e a mulher coleccionar presépios e serem ambos devotos da
Senhora de Fátima, ele que não pode viver com 10 mil euros de reforma e mais as
benesses de ex-Presidente da República (Ramalho Eanes recusou tudo aquilo,
vivendo do salário de general), e nunca fez nada de substancial para diminuir
as desigualdades; pelo contrário afundou o país num miserabilismo social à moda
de Salazar, vem agora ressuscitado dos despojos da raiva botar pareceres que
ninguém lhe encomendou. Volte para o sarcófago, senhor doutor-economista-professor-sua-excelência-ex-Chefe
de Estado-ex-Primeiro-Ministro-ex-vida fora da qual os vermes rastejam à sombra
dos sóis enrabichados de arrogância e fique sabendo que para o senhor Aníbal
ter a aposentação que tem, há milhares de agricultores no Alentejo que usufruem
de reforma 120 euros.
- O senhor António, o homem que há
anos vem gradar o terreno, apareceu para o trabalho. Mandei-o de volta
argumentando que enquanto as múltiplas florinhas estiverem viçosas, não
permitirei que lhes toque. Ele surpreendeu-se e eu expliquei: “O campo florido
e verdejante, é indispensável às abelhas e pássaros e deste modo necessário à
biodiversidade.” Logo o bom do homem: “Olhe que não é isso que eles (referia-se
aos funcionários da Câmara) querem. “Quero lá saber do que dizem os autarcas
incultos e autómatos. Enquanto as flores estiverem belas como estão, não gradearei
o terreno.”
- Tempo invernal. Tenho a lareira
acesa no salão e é em face dela que leio e escrevo estas linhas.