Quarta,
24.
Na
nova Bíblia da responsabilidade da Conferência Episcopal Portuguesa, Deus passa
a ser tratado por “tu”. Suas reverências não têm mais em que ocupar o seu santo
tempo, senão trazer para a linguagem vernácula a vulgaridade de tratamento que
hoje empanturra os meios de comunicação com especial relevo para a televisão.
De repente, somos todos primos, camaradas de instrução primária, vizinhos e
crescemos juntos no mesmo bairro dos subúrbios da grande cidade. O argumento é
este: a aproximação às origens bíblicas e o paralelismo com a vida presente
onde os filhos tratam os pais por tu, para além da sedutora intimidade com
Deus. Por outro lado, a tradução que nos é proposta, é manhosa e do ponto de
vista da beleza da língua deixa muito a desejar, com aquele fim “livra-nos do
Maligno”. A Igreja francesa, em 2017, também fez alterações ao Pai Nosso (ver o
que aqui escrevi no dia 17 de Novembro daquele ano) com as quais estive em
desacordo. Em ambas as situações, quer-me parecer, que o fundamento reside no
entendimento que os cristãos fazem dos textos e, sobretudo, das formas
reverenciais. A Igreja portuguesa não ignora a iliteracia reinante, o
desconhecimento dos verbos, o péssimo português falado, a trivialidade das
relações humanas, o pendor para o chinelo que se instalou nos canais de
comunicação. Mais uma vez ela vai atrás dos cristãos, cedendo à futilidade, ao
nivelamento por baixo, à ignorância e, como então se dizia, ao obscurantismo. Em
vez de educar o povo, transmitindo-lhe os Mandamentos do Senhor, a Igreja prega
os bons costumes, fala de sexo, de interdições monstruosas, de opções
políticas... Um povo ignorante, é mais fácil de domar, de fazer aceitar as suas
obsessões que se traduzem na célebre frase: “Faz o que te digo e não o que eu
faço.” É neste impasse que se encontra a Igreja. Quer dizer ao Sr. Aníbal e
quejandos, sob a democracia, tratam-no de “excelência” e os deputados entre si
por “vossa excelência”. A Deus vamos dirigir-nos tu cá tu lá. Não sei o que diz
o Vaticano destas foleiras alterações, o que sei e falo por mim, é que continuarei
a dirigir-me ao Senhor com o profundo e grato respeito que Ele me merece. Pai
Nosso que estais nos céus, acudi a vossa Igreja.
- Na minha terceira releitura do livro
de Green L´Expatrié, deparo com esta
citação: “Le socialisme s´accompagne d´une soif de pouvoir et s´accommode
parfaitement avec de grand luxe.” Pág. 127, Éditions du Seuil. Assino de cruz
sem hesitar. A hipocrisia da middle class no seu melhor.
- Dia de uma tristeza infinda. Ainda
por cima, cedendo à insistência do Carlos em vir cá a casa almoçar recebi-o, mas
comemos na Terceira Geração. O vinho chegou à mesa e tudo se alterou. Acabado o
repasto de uma simplicidade humilde, levei-o à estação de regresso a casa. O
vento, a chuva, o céu tenebroso compuseram o bouquet de melancolia. Acresce que me falta a escrita. Há já dois
meses que não escrevo uma linha, salvo estas tristezas de um desinteresse sem
igual.