Sábado,
27.
Já
de posse do cartão Navegante, fui ao encontro dos amigos na Brasileira.
Encontrei apenas o nosso “capitalista” senhor Castilho e com ele estendi a
manhã em amena cavaqueira de um interesse extraordinário. O homem conheceu meio
mundo do antigamente o que não surpreende dada a sua provecta e sólida idade.
Uns quantos como Franco Nogueira até na intimidade. A ideia com que fiquei –
questões políticas de lado, distanciamento impondo-se – é que era gente de bem,
honesta e com vidas simples. Outra coisa curiosa, foi a revelação do neto que
eu conheço, 17 anos, filho de pais separados. O equilibro do rapaz, encheu-me
de júbilo e abateu o que eu normalmente penso desta geração de robots submissos
da sociedade de consumo. Enfim, chegou o meio-dia. João Corregedor entrou e o
Castilho debandou. Os dois estão de costas voltadas, dado que o João o trata de
fascista e epítetos do género. A seguir surgiu a Teresa Magalhães e o
telefonema do Guilherme num desafio para irmos a doca de Belém almoçar.
Parente, generoso, veio-nos buscar ao Chiado e num instante estávamos à mesa,
com o rio bruxuleando sob o sol claro. Muita conversa, política a martelo. A
dada altura entrou-se no periclitante tema das reformas e das diferenças entre
o sector público e o privado. Eu disse de me minha justiça e João não gostou. A
Maria, filha do Guilherme que eu tinha na frente, piscava-me o olho, cúmplice.
E que dissera eu de tão reaccionário? Que os cônjuges não deviam assumir após a
morte de um a reforma do outro, que os senhores deputados não deviam ter aposentação
nenhuma por uns quantos anos no Parlamento, a maioria deles fazendo apenas
corpo presente ao serviço dos partidos. Corregedor revolta-se. No final eu
disse esta coisa para mim elementar: estou sempre disposto a defender os mais
fracos, os que sobrevivem, os que estão hoje em democracia como estiveram em
ditadura nas franjas humilhantes da sociedade. Enquanto o João observa tudo do
lado da ideologia; eu sou mais pragmático e olho nos olhos aqueles que os
sistemas político-sociais humilham, renegam e atiram para as bordas dos dias de
desespero.
- O “penso eu de que” do homem que
dirige o FCP, está por todo o lado na literatura portuguesa moderna e nem a
excelente tradução da obra de Goethe, Afinidades
Electivas, escapa.
- Saiu o Black, chegou o cuco.
- Já estou, talvez, em posição de
afirmar que o passe Navegante foi uma óptima ideia da Esquerda, mas que foi mal
preparada. Porque das muitas vezes que entrei no Fertagus, a sensação com que
fiquei, é que não são pessoas que viajam comigo, mas gado. Já assisti,
inclusive, a discussões pela disputa de lugares sentados. E ainda não chegou o
Verão. Então se verá a revolta dos que querem passar o dia na praia e não ver
meios de transporte para tanta gente.
- Vou despachar-me para Setúbal ao
encontro do pintor Carlos Rocha Pinto. Intercedi para que ele fizesse uma
exposição na galeria do Café da Casa e quero acompanhá-lo nas démarches necessárias.
- Estes versos de Fernando Pessoa nos
pacotes de açúcar da Brasileira:
O
moinho de café
Mói e faz deles
pó.
O pó que a
minh´alma é.
Moeu quem
me deixa só.