sábado, abril 27, 2019

Sábado, 27.
Já de posse do cartão Navegante, fui ao encontro dos amigos na Brasileira. Encontrei apenas o nosso “capitalista” senhor Castilho e com ele estendi a manhã em amena cavaqueira de um interesse extraordinário. O homem conheceu meio mundo do antigamente o que não surpreende dada a sua provecta e sólida idade. Uns quantos como Franco Nogueira até na intimidade. A ideia com que fiquei – questões políticas de lado, distanciamento impondo-se – é que era gente de bem, honesta e com vidas simples. Outra coisa curiosa, foi a revelação do neto que eu conheço, 17 anos, filho de pais separados. O equilibro do rapaz, encheu-me de júbilo e abateu o que eu normalmente penso desta geração de robots submissos da sociedade de consumo. Enfim, chegou o meio-dia. João Corregedor entrou e o Castilho debandou. Os dois estão de costas voltadas, dado que o João o trata de fascista e epítetos do género. A seguir surgiu a Teresa Magalhães e o telefonema do Guilherme num desafio para irmos a doca de Belém almoçar. Parente, generoso, veio-nos buscar ao Chiado e num instante estávamos à mesa, com o rio bruxuleando sob o sol claro. Muita conversa, política a martelo. A dada altura entrou-se no periclitante tema das reformas e das diferenças entre o sector público e o privado. Eu disse de me minha justiça e João não gostou. A Maria, filha do Guilherme que eu tinha na frente, piscava-me o olho, cúmplice. E que dissera eu de tão reaccionário? Que os cônjuges não deviam assumir após a morte de um a reforma do outro, que os senhores deputados não deviam ter aposentação nenhuma por uns quantos anos no Parlamento, a maioria deles fazendo apenas corpo presente ao serviço dos partidos. Corregedor revolta-se. No final eu disse esta coisa para mim elementar: estou sempre disposto a defender os mais fracos, os que sobrevivem, os que estão hoje em democracia como estiveram em ditadura nas franjas humilhantes da sociedade. Enquanto o João observa tudo do lado da ideologia; eu sou mais pragmático e olho nos olhos aqueles que os sistemas político-sociais humilham, renegam e atiram para as bordas dos dias de desespero.

         - O “penso eu de que” do homem que dirige o FCP, está por todo o lado na literatura portuguesa moderna e nem a excelente tradução da obra de Goethe, Afinidades Electivas, escapa.

         - Saiu o Black, chegou o cuco.

         - Já estou, talvez, em posição de afirmar que o passe Navegante foi uma óptima ideia da Esquerda, mas que foi mal preparada. Porque das muitas vezes que entrei no Fertagus, a sensação com que fiquei, é que não são pessoas que viajam comigo, mas gado. Já assisti, inclusive, a discussões pela disputa de lugares sentados. E ainda não chegou o Verão. Então se verá a revolta dos que querem passar o dia na praia e não ver meios de transporte para tanta gente.

         - Vou despachar-me para Setúbal ao encontro do pintor Carlos Rocha Pinto. Intercedi para que ele fizesse uma exposição na galeria do Café da Casa e quero acompanhá-lo nas démarches necessárias.

         - Estes versos de Fernando Pessoa nos pacotes de açúcar da Brasileira:  

                                     O moinho de café
                                     Mói e faz deles pó.
                                     O pó que a minh´alma é.

                                     Moeu quem me deixa só.