terça-feira, abril 16, 2019

Terça, 16.

Estive quatro horas de olhos postos no Canal 2 francês a seguir, abasourdi, o desaparecimento da catedral de Notre-Dame engolida  pelo fogo. Uma grande comoção tomou conta de mim, como se tivesse perdido alguém que me era caro e o seu desaparecimento cavasse um abismo de saudade e ternura infindáveis. Quando estou em Paris, passo (passava) diante dela quase todos os dias, parando para a admirar a beleza arquitectónica e levantar uma prece ao Criador. O ano passado, pela primeira vez, fui admirá-la num passeio de hora e meia pelo Sena. Há mais de quarenta anos que, graças à Annie, fico um mês na capital francesa e Notre-Dame era o local que não dispensava para recolhimento nas horas de cansaço, o último dos quais há dois anos. Gostava de ficar ali, naquela penumbra, recolhido em mim, recruzando o olhar pelas alturas da nave central de uma pureza majestática, alheio ao ruído dos turistas chineses, quais gafanhotos, rápidos, saltando de um extremo ao outro da catedral, olhando sem ver e logo fugiam porque o tempo para eles não merece o detalhe e as emoções não são para ali chamadas. Há um tempo que acompanhava os trabalhos de consolidação da zona da flecha que, segundo me diziam os amigos, estava num estado de degradação impressionante. A Igreja havia encontrado com imenso esforço 150 milhões de euros  para as obras, mas eram precisos outros tantos para acudir ao monumento no todo. Monumento que já Victor Hugo reclamava fosse intervencionado, mas que os Estados empurrados pela nossa petrificada União Europeia, tudo fazem para separar as águas, quero dizer, olvidar os alicerces cristãos que formam a Europa. Apesar de Notre-Dame ser o símbolo perene de Paris, que duas guerras respeitaram (1ª e 2ª), que a Comuna tentou incendiar, mas não conseguiu e mais prosaicamente ser a solt machine do turismo de massas. O impressionante é a tragédia ter ocorrido no início da Semana Santa, e as cinzas de uma memória colectiva com oito séculos de história, apesar do horror, segundo os bombeiros, ser possível manter intactos os alicerces principais da velha Senhora. Emmanuel Macron, que há doze anos pediu para ser batizado e, ao que parece rapidamente se tornou agnóstico, garantiu que o Estado francês vai-se ocupar da sua reconstrução. Que a rosácea gótica no transepto sul que escapou às chamas, seja o símbolo da promessa a cumprir. A verdade porém, é que a Europa está cada vez mais pobre culturalmente, suplantada pela boçalidade do futebol e a vida presente alimentada nos sonhos ocos de riqueza, que esta tragédia era de todo dispensável. A grandeza de Notre-Dame é o sacrário onde mantemos em permanência o coração em Deus. 

Notre-Dame vista do rio Sena