quinta-feira, dezembro 31, 2015

Quinta, 31.
Quero desejar aos meus leitores um ANO NOVO cheio de tudo daquilo que o dinheiro não compra e faço votos e preces para que nada de mal lhes aconteça ao fim-de-semana. Pela vossa saúde não arranjem nenhuma macacuenga que nos afaste deste convívio quotidiano. Portugal, como sabem, não é lugar seguro para doentes! Não é Deus que nos chama, são os médicos criminosos que nos empurram para fora deste mundo. EXCELENTE 2016!

Lago de Pfaefikersee visto por Werner Schneider 

quarta-feira, dezembro 30, 2015

Quarta, 30.
Portugal é uma anedota. Pobre, iletrado, humilde, subserviente, ingénuo, sem espírito crítico, indo aonde vai o colectivo, rende-se a quem lhe surge ao caminho montado na impostura e na grandeza. O futebol é um maná porque o português não questiona aquilo que vive com paixão e porque o futebol não exige esforço mental e cada português julga-se um técnico na matéria. Vem isto a propósito dos contratos milionários entre os três principais clubes e as empresas de telecomunicações. No espaço de uma semana, circulam por aí qualquer coisa como 1.350 milhões de euros! De onde vem tanto dinheiro assim de repente para entregar ao futebol onde a corrupção e os oportunistas imperam? Ninguém quer saber. Aquilo é um outro planeta, com leis próprias e escravos de luxo às ordens. Numa altura em que até a Arábia Saudita impõe austeridade, entre nós é a fanfarra, a festa, a disputa entre gangsters pelo melhor e mais valioso negócio. Invejamos tudo do vizinho, menos a miséria.

         - À pergunta, contudo, respondo eu. O dinheiro vem do abuso das empresas de comunicações que cobram aos pobres mais do que as suas congéneres europeias levam aos ricos. O Robert diz-me quanto paga por um pacote abrangente de comunicações e não tem nada a ver com o que eu ouço dizer obtêm aqui. Mais: segundo ele um acordo é um acordo e ninguém se atreve a mudá-lo com preços de novo ano. O mesmo se passa com o escândalo das televisões. Por cá é uma selva. As Meo, as Vodafones e as Nós fazem autênticos assaltos à carteira do espectador. Ganham fortunas por infantilidades e ainda por cima sem coberturas capazes. Enganam todo o mundo e ninguém discute e o Estado finge ignorar a aldrabice. Preparem-se os adeptos do futebol para o que aí vem. Vão pagar com língua de fora o seu gosto por uma modalidade que é um verdadeiro atentado à sua pobreza e dignidade.

         - Bem faço eu. Não possuo senão os canais ditos generalistas e o satélite que a Meo tornou obsoleto. E digo-vos com toda a franqueza, não sinto precisão de mais. Quando vejo a imbecilidade de programas, as apresentadoras e apresentadores, a praga do futebol e dos seus agentes que mal soletram uma letra, os comentadores e analistas que debitam asneiras e banalidades de todos conhecidas, os actores chamados cómicos, mas que não me fazem rir, os noticiários verdadeiros atentados à inteligência, sinto que estou no bom caminho. Não totalmente, porém. Melhor estão a Conceição, o João, o Simão, o Ricardo e tantos outros que pura e simplesmente se recusam a ter em casa a caixa que dizem mudou o mundo... para pior. Eles são mais sábios do que eu, estão mais resguardados das agressões psicológicas e publicitárias, políticas e económicas. À parte o arcebispo que durante dez anos pregou e promoveu-se a si e às ideias do seu partido e amigalhaços, não sei de quem mais tivesse tido proveito directo. Sim. Claro. A classe dos ambiciosos políticos, que usam primeiro a televisão para construir a dimensão do boneco que depois aproveitam, transformando-o em primeiro-ministro, secretário de Estado, presidente da República e personagens mais liliputianas.

         - Mas a razia alienante agrupa em torno da televisão aquilo a que eles chamam o gosto popular. Agora, cá como por essa Europa fora, as vedetas são os chefes e a cozinha de autor. Toda a droga que entope artérias, leva ao corpo gorduras e açúcares, causa carcinomas e desarranjos físicos, enriquece as farmacêuticas, os supermercados, as multinacionais dos pratos confeccionados é oferecida como bijutaria fina. Aquilo sabe a tudo menos aos vegetais, peixe e carne que é suposto encontrarmos no prato. Ainda por cima, não podemos reclamar das doses anãs e dos preços proibitivos que não saciam a fome. Comprámos uma joia e não um prato de lentilhas.


         - Os amigos apareceram. Um deles tem o fascínio da fotografia e anda sempre por assim dizer a reboque da máquina fotográfica. Sendo a primeira vez que cá vinha a casa, andou por aí encantado com tudo o que via. Depois, tomando-me por modelo, fotografou-me em todas as divisões, incluindo a cozinha. Ensinou-me que eu próprio podia fazer o meu auto-retracto e logo pensei em Green que tinha esse hábito e deixou um álbum fotografias de si mesmo ao longo dos anos de que é testemunho o Album Pléiade. Eu fiquei-me por esta a ver se daqui a vinte primaveras encontro os traços deste homem aparentemente paisible sentado à sua mesa de trabalho.



terça-feira, dezembro 29, 2015

Terça, 29.
Esta manhã, ao abrir a caixa de correio electrónico, tinha um email da Annie e do Robert anunciando-me a morte de duas queridas amigas, ambas falecidas na véspera de Natal. Trata-se, é certo, de pessoas de vasta idade, uma com perto de noventa anos, outra a passá-los. Após o choque, fixei-me nos momentos bons que passámos juntos, sobretudo com a filha de uma das falecidas, cineasta e mulher maravilhosa que conheci num almoço em Quiberon e por quem senti uma grande empatia. Depois, abriu-se-me um vazio, um campo de ninguém, espécie de interrogação que ficou imobilizada algures no limite do horizonte imensamente distante. A seguir murmurei: “Elas conhecem, enfim, toda a verdade. Entraram na eternidade à porta da qual se confrontaram com a verdadeira imagem de Deus. Tornaram-se guardiãs da Verdade que as ilumina para todo o sempre.” Em consequência, a notícia destas mortes, depositou no meu dia uma alegria suave pela qual entrou a esperança. Cada morte prepara-nos para a nossa partida.  

         - Depois da tempestade – diz-se – chega a bonança. Assim este dia abriu radioso, banhando a terra de uma luz clara, aconchegante, dulcíssima. Olho atónito o campo desembaraçando-se das trevas destes últimos dias e tudo nele é um hino à vida, à saúde, à alegria. Junto ao portão, ficaram desenhados no chão os regos por onde a água da chuva se escapou, mais adiante as pedras soltaram-se da areia e agigantam-se brilhantes e pontiagudas no caminho de terra batida, esqueletos desprenderam-se das árvores e jazem infelizes por todo o lado à espera que eu os vá reunir para lhes dar uma derradeira utilidade na forma de pequenos seixos para início da lareira, uma infinidade de erva daninha brotou do chão olhares admirativos ao firmamento azul, aqui e acolá estão inscritos nos caminhos os percursos dos cães vadios e dos coelhos fugindo dos trovões e raios que ontem e anteontem riscaram o espaço. O silêncio, o meu afável silêncio, que proclamo como uma oração, estende-se preguiçoso nesta planície de duas almas. Terra e céu são um indivisível. Bendita a hora em que escolhi morar no amparo da beleza e no “deserto” de finos instantes eternos.


         - Pudesse eu com as palavras reinventar a Beleza de que o homem necessita para ser mais humano!

segunda-feira, dezembro 28, 2015

Segunda, 28.
Ontem almocei no CI manhã cedo cheio de gente. Curioso como sou, fui espreitar para ver o que fazia tanto pagode em torno de expositores, bancas, prateleiras. Não encontrando razão para tanta azáfama, dirigi-me a uma empregada que me informou tratar-se de um dia especial com preços baixos, balbuciando o nome num inglês confidencial. Disse para comigo: “o contrário da Bolsa. Lá quando os valores descem é o pânico, aqui é o contentamento”. Um homem visivelmente atarantado repetia ao telefone: “Senhor doutor, não encontro as calças.” Percebi que o “senhor doutor” da sua sala confortável, dirigia aos gritos que todos nós escutávamos o pobre escravo. Este cada vez mais aflito, andava de um lado para o outro, afastando cabides, tirando e colocando o produto, em busca daquilo que o “senhor doutor” necessitava. “O senhor doutor deseja que cor? – ligeiro silêncio. - Essa não vejo. Não deve haver já!” Telecomandado, o infeliz afasta-se no sentido oposto e de longe vejo pelo seu rosto contristado que as ordens prosseguem. A abastada criatura quer aproveitar-se dos preços para pobres. Se economizar dez euros, amanhã terá dez euros e um cêntimo. O custo da chamada corre por conta do outro...

         - Levantei-me passava das oito. Tendo acordado pelas sete, deixei-me ficar, o quatro aquecido, a cama fofa, a ouvir o cântico da chuva tocada a vento. Havia uma nota mais grave que permanecia em ondulações sobre a janela, parecendo-me a mim uma gota de água pingando do exterior. Coisa da minha cabeça rebelde. Em noites assim, desejava não ter esta saúde que me faz adormecer de jacto, dormir a grande velocidade e acordar sete horas depois. Penso sempre que chuva e o vento, trazem dos confins do mundo uma mensagem que eu sinto pacificadora e capaz de me transmitir as histórias que embalam a felicidade e o murmúrio interior. Porque a chuva e o vento, são elementos que nos suspendem, nos travam à soleira da porta e, portanto, capazes de transformar os pensamentos em partículas criadoras. Os sentimentos abandonam-se a si próprios assim que a sua sinfonia começa a tecer na vidraça os primeiros acordes e os envolve e os recentra para lá do espaço, num universo sem fim, sem matéria nem consubstanciação. Agora que trabalho frente à janela com o horizonte rasgado diante, continuo a escutar a combinação de notas que o vento (sem chuva) vai compondo com a vegetação rasteira, as árvores lá longe, os fios de arame farpado que delimitam o espaço. Toda esta orquestra, dirigida pelo extraordinário maestro que é o vento, executa a mais sonora e bela sinfonia que só a Natureza pode escrever.

         - A América está debaixo da violência de tremendos tornados e chuvas diluvianas. Já morreu quase meia centena de pessoas e os prejuízos estão por fazer. O mesmo no Reino Unido com uma parte do Norte submerso pela água que caiu em poucos dias, tanta como a que cai num ano. Mais de três mil lares estão sem electricidade, os próximos dias não vão ser melhores.


         - Quando voltei da natação, encontrei a Piedade na cozinha a passar a ferro. Não veio só. Trouxe consigo uma travessa de sonhos e uma caixa de figos secos e da sua lavra. Nunca comi figos tão saborosos! É ela que os apanha das suas figueiras e os seca por um processo artesanal que lhe acrescentam qualidade. Assim como os sonhos. Tenho-os saboreado noutros natais, mas os deste ano lembram-me os da minha infância. Há lá coisa mais valiosa à face da terra que estes mimos inopinados!

sábado, dezembro 26, 2015

Sábado, 26.
Ainda a morte do jovem David Duarte abandonado no hospital de S. José. Leio tudo o que se escreve sobre o assunto e do muito que me passa pelos olhos, não li que um só governante, um só clínico, um só administrador hospitalar tivesse pedido desculpas aos familiares ou simplesmente apresentasse condolências. É o desprezo total. Mais: só o actual ministro da Saúde, tem tido um discurso equilibrado e não cedeu às demagogias. Tudo o resto, está na cara, pretendem culpar o anterior titular da pasta e, sobretudo, escapar às suas responsabilidades. O dinheiro continua a preocupá-los, pois é só disso que falam. Esquecem-se que na Alemanha o preço/hora extraordinário dos serviços hospitalares é quase o mesmo que em Portugal. No final a culpa vai morrer solteira – estamos em Portugal, não é verdade. Voltámos ao tempo dos barões da medicina.

         - O Público diz que “quase metade dos futuros psiquiatras tem ideias suicidas”. Pois. É por isso que são psiquiatras e muitos deles charlatães. 

         - Segundo os mais recentes números, pelo menos um milhão de refugiados alcançou a Europa e mais de três mil morreram no mar. O problema não está resolvido e todos os dias chegam às centenas de todo o lado. Há dias quase uma centena faleceu em botes improvisados. Por aqui e por ali, instala-se a revolta na forma de ódios raciais. Não quero imaginar o que seria hoje uma guerra à escala mundial.

         - Aqui, neste oásis de serenidade e silêncio, o campo oferece-se forrado de um verde luminoso. É um regalo olhá-lo da janela onde todas as manhãs trabalho e onde o brilho do sol se rebola sorridente no tapete vegetal. As árvores, despedias dos agasalhos que dariam jeito nesta altura do ano, são esqueletos acastanhados que esperam a Primavera com orgulho heroico. Estão mais rijas, mais sólidas de verticalidade, e quando o vento lhes bate, mantêm-se hirtas de olhos postos no céu de um azul claro. Ainda não vieram as primeiras camadas de gelo para cobrirem o chão de um alvo pelúcido. Forrado de erva rasteira, não deixa ver as pegadas dos coelhos que se divertem quando o sol aquece. Todos estes seres dormem, parecem mortos na imóvel melancolia que se espraie sobre a superfície onde eu queimei os ramos da velha palmeira, as podas dos arbustos. O fogo é o único elemento que vive da efemeridade. 



         - Fiquei agradavelmente tranquilo com a original mensagem de Natal do primeiro-ministro. Ufa!