Terça, 22.
Sou péssimo em números. Ontem, pelo
jornal da SIC, tive que rectificar o total que nós portugueses temos de pagar
pelo desvario dos bancos. Afinal a coisa é ainda mais complicada do que as
minhas contas apuraram. Só para o Banif os contribuintes vão ter que pagar
quase 4 mil milhões de euros e 20 mil milhões (até hoje) é o montante que saiu
dos cofres do Estado para acudir aos desmandos dos quatro ou cinco bancos que
não se sabe porquê não abriram falência e somos nós que temos de lhes acudir. Uma
mina de ouro, ser banqueiro! Quer dizer andamos a trabalhar para eles. Para
eles e para os políticos medíocres e oportunistas que temos, porque o banco
madeirense como, de resto, a Caixa Geral de Depósitos, foi covil de todos eles (CDS-PSD-PS)
em tachos muito bem pagos não obstante os prejuízos monstruosos da sua
actividade. Não é por acaso que o poder exerce tanto fascínio. Próximo dele é
mais fácil meter a mão na massa. A democracia, infelizmente, tem sido muito cativante
para a profissão de gatuno. Porque é de uma ocupação a tempo inteiro que se
trata.
- A moda dos chefes de cozinha pegou, assim como a dos restaurantes
disto e daquilo. Em Paris é igual, mas lá impera uma ideologia religiosa que
projecta a restauração numa cadeia de interditos por vezes absurdos. É o caso
dos talhos e restaurantes halal que
significa decepar os animais para poderem ser depois comidos. Há-os por todo o
lado, sobretudo desde que os muçulmanos invadiram os bairros e impuseram as
suas tradições. Por cá, é mais uma cadeia de snobismos, um chique para saloio
se lançar, uma acomodação à realidade volante onde cabe tudo e todos como
acontece na construção civil. Nada daquilo se recomenda e, como disse noutro sítio,
o escândalo à escala mundial ainda está para vir no que concerne à alimentação
e aos produtos trabalhados pela
indústria alimentar. O melhor mesmo é evitar frequentar com assiduidade
restaurantes e similares. A sua saúde agradece e o seu porta-moedas também.
- A manhã ainda não acordou e é já perto do meio-dia. O dia parece
sofrer de frio todo embrulhado numa manta de nevoeiro que o abriga da luz do
dia e o transforma numa personagem misteriosa que não se dá a conhecer, mas
impõe-se às árvores, à silhueta dos montes, ao silêncio dos pássaros. Na
estrada de terra batida ao fundo da quinta, não passa ninguém, um carro, um cão
vadio. Está tudo envolto numa expectativa que não se deixa descobrir, antes
permanece num segredo cavado nas sombras brancas da verdura. Rente ao chão, o
tapete de um verde intenso, cintila de pequenas luzes natalícias. Os coelhos
ainda não saíram das suas tocas, o carteiro não veio montado na motoreta
ruidosa, o cântico da passarada ausentou-se e com ele os românticos cantores.
Há um peso insuportável a flutuar sobre a atmosfera, como se não houvesse céu e
a terra fosse uma concavidade baça a uns metros do chão. Visto da janela onde
escrevo, os sobreiros lá em baixo tocam a pele translúcida do firmamento. Ou
antes talvez estejam desenhados nela com a multiplicidade de braços abertos e
sobrepostos noutros horizontais mais além. Estou certo que nem o tempo que se
imobilizou sabe da minha existência. Eu devo ser o único humano que desapareceu
nesta atmosfera mineral. Talvez quem me observe seja apenas a laranjeira que
tenho do lado direito da mesa de trabalho e cujos ramos espreitam aqui para
dentro. De resto, estou reduzido à minha insignificante figura, abafado pela
tranquilidade que assusta, pela ausência de sons que perturba, como se a vida
tivesse recuado e mundo vagante se transformasse num lugar oco que nenhum afinador
escuta. Vou daqui a nada fazer natação. Antes porém, vou lá fora bater as
palmas e acordar esta imensa massa de dorminhocos que me abandonaram sem
cerimónia. Se sofresse de depressão, este era o dia perfeito para me ausentar definitivamente
do mundo.
- 15,22. É caso para dizer: se Maomé não
vai à montanha, vem a montanha a Maomé. Assim, a piscina estava inundada de
cânticos litúrgicos que ritmavam a ginástica que umas quantas damas de cestos com
flores e frutos à cabeça faziam. Ainda pensei ir falar com a professora e
perguntar-lhe se achava normal usar cânticos natalícios para aquele fim. Mas
desisti. Ela não iria compreender o meu protesto porque hoje vivemos no reino do
analfabetismo absoluto, do quanto mais obtuso e ignorante melhor.