terça-feira, dezembro 22, 2015

Terça, 22.
Sou péssimo em números. Ontem, pelo jornal da SIC, tive que rectificar o total que nós portugueses temos de pagar pelo desvario dos bancos. Afinal a coisa é ainda mais complicada do que as minhas contas apuraram. Só para o Banif os contribuintes vão ter que pagar quase 4 mil milhões de euros e 20 mil milhões (até hoje) é o montante que saiu dos cofres do Estado para acudir aos desmandos dos quatro ou cinco bancos que não se sabe porquê não abriram falência e somos nós que temos de lhes acudir. Uma mina de ouro, ser banqueiro! Quer dizer andamos a trabalhar para eles. Para eles e para os políticos medíocres e oportunistas que temos, porque o banco madeirense como, de resto, a Caixa Geral de Depósitos, foi covil de todos eles (CDS-PSD-PS) em tachos muito bem pagos não obstante os prejuízos monstruosos da sua actividade. Não é por acaso que o poder exerce tanto fascínio. Próximo dele é mais fácil meter a mão na massa. A democracia, infelizmente, tem sido muito cativante para a profissão de gatuno. Porque é de uma ocupação a tempo inteiro que se trata.

         - A moda dos chefes de cozinha pegou, assim como a dos restaurantes disto e daquilo. Em Paris é igual, mas lá impera uma ideologia religiosa que projecta a restauração numa cadeia de interditos por vezes absurdos. É o caso dos talhos e restaurantes halal que significa decepar os animais para poderem ser depois comidos. Há-os por todo o lado, sobretudo desde que os muçulmanos invadiram os bairros e impuseram as suas tradições. Por cá, é mais uma cadeia de snobismos, um chique para saloio se lançar, uma acomodação à realidade volante onde cabe tudo e todos como acontece na construção civil. Nada daquilo se recomenda e, como disse noutro sítio, o escândalo à escala mundial ainda está para vir no que concerne à alimentação e aos produtos trabalhados pela indústria alimentar. O melhor mesmo é evitar frequentar com assiduidade restaurantes e similares. A sua saúde agradece e o seu porta-moedas também.

         - A manhã ainda não acordou e é já perto do meio-dia. O dia parece sofrer de frio todo embrulhado numa manta de nevoeiro que o abriga da luz do dia e o transforma numa personagem misteriosa que não se dá a conhecer, mas impõe-se às árvores, à silhueta dos montes, ao silêncio dos pássaros. Na estrada de terra batida ao fundo da quinta, não passa ninguém, um carro, um cão vadio. Está tudo envolto numa expectativa que não se deixa descobrir, antes permanece num segredo cavado nas sombras brancas da verdura. Rente ao chão, o tapete de um verde intenso, cintila de pequenas luzes natalícias. Os coelhos ainda não saíram das suas tocas, o carteiro não veio montado na motoreta ruidosa, o cântico da passarada ausentou-se e com ele os românticos cantores. Há um peso insuportável a flutuar sobre a atmosfera, como se não houvesse céu e a terra fosse uma concavidade baça a uns metros do chão. Visto da janela onde escrevo, os sobreiros lá em baixo tocam a pele translúcida do firmamento. Ou antes talvez estejam desenhados nela com a multiplicidade de braços abertos e sobrepostos noutros horizontais mais além. Estou certo que nem o tempo que se imobilizou sabe da minha existência. Eu devo ser o único humano que desapareceu nesta atmosfera mineral. Talvez quem me observe seja apenas a laranjeira que tenho do lado direito da mesa de trabalho e cujos ramos espreitam aqui para dentro. De resto, estou reduzido à minha insignificante figura, abafado pela tranquilidade que assusta, pela ausência de sons que perturba, como se a vida tivesse recuado e mundo vagante se transformasse num lugar oco que nenhum afinador escuta. Vou daqui a nada fazer natação. Antes porém, vou lá fora bater as palmas e acordar esta imensa massa de dorminhocos que me abandonaram sem cerimónia. Se sofresse de depressão, este era o dia perfeito para me ausentar definitivamente do mundo.


         - 15,22. É caso para dizer: se Maomé não vai à montanha, vem a montanha a Maomé. Assim, a piscina estava inundada de cânticos litúrgicos que ritmavam a ginástica que umas quantas damas de cestos com flores e frutos à cabeça faziam. Ainda pensei ir falar com a professora e perguntar-lhe se achava normal usar cânticos natalícios para aquele fim. Mas desisti. Ela não iria compreender o meu protesto porque hoje vivemos no reino do analfabetismo absoluto, do quanto mais obtuso e ignorante melhor.