segunda-feira, dezembro 28, 2015

Segunda, 28.
Ontem almocei no CI manhã cedo cheio de gente. Curioso como sou, fui espreitar para ver o que fazia tanto pagode em torno de expositores, bancas, prateleiras. Não encontrando razão para tanta azáfama, dirigi-me a uma empregada que me informou tratar-se de um dia especial com preços baixos, balbuciando o nome num inglês confidencial. Disse para comigo: “o contrário da Bolsa. Lá quando os valores descem é o pânico, aqui é o contentamento”. Um homem visivelmente atarantado repetia ao telefone: “Senhor doutor, não encontro as calças.” Percebi que o “senhor doutor” da sua sala confortável, dirigia aos gritos que todos nós escutávamos o pobre escravo. Este cada vez mais aflito, andava de um lado para o outro, afastando cabides, tirando e colocando o produto, em busca daquilo que o “senhor doutor” necessitava. “O senhor doutor deseja que cor? – ligeiro silêncio. - Essa não vejo. Não deve haver já!” Telecomandado, o infeliz afasta-se no sentido oposto e de longe vejo pelo seu rosto contristado que as ordens prosseguem. A abastada criatura quer aproveitar-se dos preços para pobres. Se economizar dez euros, amanhã terá dez euros e um cêntimo. O custo da chamada corre por conta do outro...

         - Levantei-me passava das oito. Tendo acordado pelas sete, deixei-me ficar, o quatro aquecido, a cama fofa, a ouvir o cântico da chuva tocada a vento. Havia uma nota mais grave que permanecia em ondulações sobre a janela, parecendo-me a mim uma gota de água pingando do exterior. Coisa da minha cabeça rebelde. Em noites assim, desejava não ter esta saúde que me faz adormecer de jacto, dormir a grande velocidade e acordar sete horas depois. Penso sempre que chuva e o vento, trazem dos confins do mundo uma mensagem que eu sinto pacificadora e capaz de me transmitir as histórias que embalam a felicidade e o murmúrio interior. Porque a chuva e o vento, são elementos que nos suspendem, nos travam à soleira da porta e, portanto, capazes de transformar os pensamentos em partículas criadoras. Os sentimentos abandonam-se a si próprios assim que a sua sinfonia começa a tecer na vidraça os primeiros acordes e os envolve e os recentra para lá do espaço, num universo sem fim, sem matéria nem consubstanciação. Agora que trabalho frente à janela com o horizonte rasgado diante, continuo a escutar a combinação de notas que o vento (sem chuva) vai compondo com a vegetação rasteira, as árvores lá longe, os fios de arame farpado que delimitam o espaço. Toda esta orquestra, dirigida pelo extraordinário maestro que é o vento, executa a mais sonora e bela sinfonia que só a Natureza pode escrever.

         - A América está debaixo da violência de tremendos tornados e chuvas diluvianas. Já morreu quase meia centena de pessoas e os prejuízos estão por fazer. O mesmo no Reino Unido com uma parte do Norte submerso pela água que caiu em poucos dias, tanta como a que cai num ano. Mais de três mil lares estão sem electricidade, os próximos dias não vão ser melhores.


         - Quando voltei da natação, encontrei a Piedade na cozinha a passar a ferro. Não veio só. Trouxe consigo uma travessa de sonhos e uma caixa de figos secos e da sua lavra. Nunca comi figos tão saborosos! É ela que os apanha das suas figueiras e os seca por um processo artesanal que lhe acrescentam qualidade. Assim como os sonhos. Tenho-os saboreado noutros natais, mas os deste ano lembram-me os da minha infância. Há lá coisa mais valiosa à face da terra que estes mimos inopinados!