terça-feira, dezembro 29, 2015

Terça, 29.
Esta manhã, ao abrir a caixa de correio electrónico, tinha um email da Annie e do Robert anunciando-me a morte de duas queridas amigas, ambas falecidas na véspera de Natal. Trata-se, é certo, de pessoas de vasta idade, uma com perto de noventa anos, outra a passá-los. Após o choque, fixei-me nos momentos bons que passámos juntos, sobretudo com a filha de uma das falecidas, cineasta e mulher maravilhosa que conheci num almoço em Quiberon e por quem senti uma grande empatia. Depois, abriu-se-me um vazio, um campo de ninguém, espécie de interrogação que ficou imobilizada algures no limite do horizonte imensamente distante. A seguir murmurei: “Elas conhecem, enfim, toda a verdade. Entraram na eternidade à porta da qual se confrontaram com a verdadeira imagem de Deus. Tornaram-se guardiãs da Verdade que as ilumina para todo o sempre.” Em consequência, a notícia destas mortes, depositou no meu dia uma alegria suave pela qual entrou a esperança. Cada morte prepara-nos para a nossa partida.  

         - Depois da tempestade – diz-se – chega a bonança. Assim este dia abriu radioso, banhando a terra de uma luz clara, aconchegante, dulcíssima. Olho atónito o campo desembaraçando-se das trevas destes últimos dias e tudo nele é um hino à vida, à saúde, à alegria. Junto ao portão, ficaram desenhados no chão os regos por onde a água da chuva se escapou, mais adiante as pedras soltaram-se da areia e agigantam-se brilhantes e pontiagudas no caminho de terra batida, esqueletos desprenderam-se das árvores e jazem infelizes por todo o lado à espera que eu os vá reunir para lhes dar uma derradeira utilidade na forma de pequenos seixos para início da lareira, uma infinidade de erva daninha brotou do chão olhares admirativos ao firmamento azul, aqui e acolá estão inscritos nos caminhos os percursos dos cães vadios e dos coelhos fugindo dos trovões e raios que ontem e anteontem riscaram o espaço. O silêncio, o meu afável silêncio, que proclamo como uma oração, estende-se preguiçoso nesta planície de duas almas. Terra e céu são um indivisível. Bendita a hora em que escolhi morar no amparo da beleza e no “deserto” de finos instantes eternos.


         - Pudesse eu com as palavras reinventar a Beleza de que o homem necessita para ser mais humano!