Quarta, 23.
Mais um crime horrendo praticado nos
nossos hospitais, desta vez no de S. José, em Lisboa. Um rapaz de vinte e nove
anos morreu porque teve o azar de fazer uma ruptura do aneurisma ao
fim-de-semana. O hospital de Santarém onde entrara de urgência, reenviou-o para
o S. José e aí morreu, segunda-feira, pela simples e caricata razão de não haver
neurocirurgiões de servido ao sábado e ao domingo. Como é possível! Dizem os
três médicos responsáveis pelos serviços hospitalares que se demitiram em
consequência, que esta morte foi devida aos cortes na saúde, à falta de
dinheiro para pagar horas suplementares aos médicos. Pagar horas suplementares!
Eu diria antes: pagar horas extraordinárias a funcionários públicos. Porque é
nisso que estão a transformar os quadros técnicos de saúde. Não são médicos,
enfermeiros, auxiliares, são mangas de alpaca, vigilantes, contabilistas,
mulheres-a-dias que não dispensam o fim-de-semana em família ou a borga das
noites no Cais do Sodré. Se, entretanto, morrer alguém que se lixe, eles têm
direito como qualquer outro trabalhador a ser pago a dobrar ou quadruplicar. Não
se trata, portanto, de falta de salário, eles que auferem para um país pobre
quase tanto como os meus amigos clínicos em França. Mais: se para esta gente (não quero generalizar) o problema é a
diferença salarial entre o Estado e o privado, que desapareçam para os
hospitais onde o lucro é que interessa e o doente um filão a explorar até à
ultima gota de sangue. Aí são capazes de ganhar mais uns patacos. Mas nessa
altura esqueçam os filhinhos queridos e o lazer, a sua própria saúde e a deontologia
profissional. São espremidos até ao tutano e o dinheiro que ganham de nada
serve porque simplesmente não têm tempo para o gastar. Conheço n casos.