Segunda, 21.
Espanha derrapa como Portugal, França e
outros tantos países ligados pelo euro. Na UE reina a desordem, a desconfiança,
o abismo. Todavia, nem tudo é mau. A nossa querida União trouxe aos povos a ousadia
de levantarem a manápula do bi-partidarismo. Estávamos fartos da alternância,
temos agora o horizonte mais aberto, respiramos melhor e, espero, mais
saudável, quero dizer, libertos da corrupção mafiosa. Sem deixarmos, contudo,
de estar sob a influência do imprevisto, da balbúrdia e do desafio de cair num
qualquer iluminado. Ao ponto a que chegámos, devemos prepararmo-nos para o pior,
o melhor é uma fantasia do passado.
- O mundo e Portugal constrói-se com patuá. A descoberta dos telemóveis
veio trazer ainda mais ruído, mais perturbação, mais sufoco, poluição. Temos
medo do silêncio, empurram-nos para o alarido, dizem-nos que só somos felizes
em grupo, partilhando o desespero e a intimidade. Não temos direito a reservar para
nós nenhuma espécie de instante, porque tudo deve ser público e o mundo
interior é um lugar que só tem razão de existir se a ele chegar os olhares
daqueles que expiam os nossos gestos, descodificam os nossos sentimentos, recriam
a sociedade virtual que tudo padroniza, assemelha, nivela. Orwell há muito que
foi ultrapassado. O que nos propõem é mais prático, mais claro e mais simples:
querem-nos em grupo, com os mesmos gostos, os mesmos padrões, reunidos em torno
da família como agregado fundamental no controlo e manipulação da consciência
concentracionária. Um olho monumental controla cada um dos nossos gestos,
perscruta cada pensamento, orientando a informação para que esta não saia dos
carris que a entalam entre a necessidade e a ambição, o comummente aceite e a
fantasia desviante, o sonho que sobrevoa, a diferença que desorganiza. A
populaça, feliz com as necessidades que todos os dias a indústria cria, sem
qualquer critério selectivo, radiante por ter acesso àquilo que antes lhe
estava interdito, sente que a vida tomou outro rumo, que os dias passaram a ser
resplandecentes quando pode com um simples toque, sem abandonar o lugar onde a
instalaram, ficar no centro do universo e ter com ele pensamentos e frases de
tal elevação que lhe parece ser ela a inventiva de um mundo maravilhoso, feito
exclusivamente para si e para os seus queridos filhinhos, herdeiros de um futuro
onde todos estão irmanados na fraternidade ideal, que não consente o anonimato,
pelo contrário intenta alguém em qualquer parte do mundo. Com essa organização,
dizem-lhe, é forçoso esteja em contínuo contacto, expondo-se com “verdade”, com
“naturalidade”, com aquele desejo ardente de se projectar no espaço dinâmico e
fantástico das novas tecnologias que foram criadas – dizem-lhe e ela acredita - para a sua felicidade, notoriedade e
bem-estar. Por isso, mesmo quando vai a um concerto como foi o caso daqueles a
que assisti recentemente, ignorando os avisos de que deve desligar todos os gadgets, essa multidão anónima para a
arte e não para a plateia mundial que aguarda num frenesim a opinião avisada
dos seus amigos anónimos, persiste e fotografa, fala, sorri, interroga e pede
resposta à beleza do reposteiro, do dourado dos balcões, da imagem do altar,
dos frescos do tecto, do vestido da vizinha. A sua importância é tanto mais
significativa quantos os milhares de “amigos” que respondem pronto à chamada do
todo conceptualizada na pequenez da interpelação. A nós que andamos sôfregos
das sombras, do silêncio e da lonjura dos flaches, não nos resta outra
alternativa que baixar a cabeça por medo de entrarmos contra nossa vontade
naquela orgia tecnológica de um vazio e mau-gosto inenarráveis.
- Dizem-nos que para acudir aos bancos e banqueiros corruptos e criminosos, os contribuintes portugueses entraram com qualquer coisa como 20 mil
milhões de euros!! Pobres de nós! Pobres dos pobres que não têm quem os
defenda! Posto isto, alguém foi preso, banqueiro ou comparsa, político ou gestor?
Que eu saiba ninguém. A festa, contudo, está nas ruas. Vejo toda a gente satisfeita,
a trocar presentes e sorrisos e criancinhas a cantar. O futuro é-lhes risonho –
melhor assim para banqueiros, políticos e multinacionais. Ver os escravos
contentes é para eles rédea solta para continuarem a velar pelos seus
interesses, isto é, meter a mão no bolso do alheio.