Quarta, 2 de
Dezembro.
Em Paris eles eram objecto de muitas
horas a vasculhar nas livrarias de Saint-Germain como nas boutiques ao longo do
Sena. A crise que por lá se disfarça, trouxe diversas formas de os conseguir a
preços mais vantajosos. Acresce que as bibliotecas privadas onde eles deixaram
de interessar para dar lugar a outros mais recentes, os seus donos tomaram o
hábito de os enfiar em sacos e depositá-los à entrada dos edifícios que Haussmann
construiu, formando assim outros espaços de procura por parte dos verdadeiros
leitores que nunca os abandonariam na rua à mercê de quem deles se acerca com fins
menos nobres. Chez Gilbert é quem melhor paga pelos livros que as pessoas por
necessidade ou para ganhar área em casa, os vendem. Se não estou em erro, às
quintas-feiras, a fila de vendedores chega a ter muitos metros e várias horas
de espera. Vi mulheres e homens, rapazes e raparigas de todas as camadas
sociais, com enormes mochilas carregadas deles. A Carole contou-me que uma vez
ganhou uma pequena fortuna desembaraçando-se de uns quantos in-fólios técnicos
e romances. O dinheiro que recebeu, gastou-o a adquirir novos livros, outros
autores. Seja como for, os franceses continuam verdadeiros amantes de livros.
Compram-nos e lêem-nos, ao contrário do que por lá se diz. Quando os comparo
com os portugueses que preferem a boa comida, o futebol, os torresmos e o
tintol (poderá parecer um estereótipo, mas não é!), os parisienses andam sempre
com um livro no bolso. Se vivesse em Paris, seria um mendigo devido ao impulso
que sinto com tudo o que gostaria de conhecer, devorar, estudar.
- Quando cheguei depois de dois meses de ausência, durante os quais a
Piedade procedeu à limpeza pormenorizada do interior, senti um bate ao entrar
em casa. O odor a livros orientava-me para o salão onde empilhei sobre uma mesa
a dúzia de títulos que trouxe comigo. Ontem iniciei a leitura de Fuir pour vivre dos irmãos Mann e o Journal du séducteur de Soren
Kierkegaard. Não contente, esta semana em Lisboa, comprei a última obra de
Mário Cláudio Astronomia e um fac-simile do romance de Aquilino Quando os Lobos Uivam. Não direi que sou
um comprador compulsivo, mas o desejo e a curiosidade leva-me por vezes a
gastar o que não tenho. Em tempos uma amiga que deixou de ser, dizia-me
assiduamente: “Você não tem dinheiro para nada, mas para livros ele aparece
sempre.” E tinha razão.