sábado, fevereiro 28, 2015

Sábado, 28.
O homem forte da PT, premiado como o melhor gestor deste mundo bizarro que só é alguém quem sabe somar e sobretudo multiplicar, Zeinal Vaba, passou pelo tribunal da Assembleia esta semana. Os deputados-juízes queriam ouvi-lo sobre os milhões enterrados no GES e perdidos para sempre. O homem que foi o master da empresa, disse aos estupefactos causídicos-deputados que não sabia de nada, desconhecia do que falavam eles, porque não lia jornais, tomando-os por idiotas e saindo como entrou: humilde e sorridente.  

         - A Annie ontem ao telefone. A dada altura, falando de amigos comuns, diz que ninguém me esquece e todos falam constantemente de mim. “Tu tens uma forte personalidade, és especial, todos dizem.” Oh, voilà qu´est-ce que je suis devenu - un homme spécial.  Só espero não ser como o Mourinho. Burrrrrr!


         - Boris Nemtsov, opositor de Vladimir Putin, foi assassinado com vários tiros no centro de Moscovo. Por este caminho, atendendo à regressão cívica e moral do mundo, este método vai ser banalizado na Europa e noutras partes do globo.

sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Sexta, 27.
Esta manhã, da Praça du Bocage ao MacDonald´s na Luísa Todi, fui acompanhado por uma mulher com bom aspecto, que me contou ser vítima de uma outra que lhe queria roubar o marido, marido que ela por sua vez abandonou por indigesto. Nunca abri a boca julgando tratar-se de uma doente mental. A meio do percurso, a senhora pediu-me desculpa “pelo desabafo” e eu acelerei o passo. Estou já sentado no meu lugar a trabalhar quando, de súbito, para descansar a cabeça, levanto os olhos do computador, varro com o olhar as redondezas, e que vejo eu? a pobre criatura no outro lado do restaurante a ler o Público. Olhei-a com curiosidade e percebi que de louca não tinha nada. Pelo contrário, parecia uma cidadã normal, que se interessa pelo que vai no mundo. Que conclusão tirar? Eu tenho uma entre decerto muitas outras: ainda bem que não escolhi o casamento para ser feliz.

         - Esta palmeira foi a primeira árvore que eu plantei quando aqui cheguei há trinta anos. Já tinha escrito vários livros e faltava-me plantar uma árvore para cumprir o que se diz ser dever de um homem autêntico. Fica a faltar o querido filhinho. Mas quanto a isso... silêncio.



         - Os broncos da Deach cometeram mais um crime contra a humanidade, ao desfazerem com maçaricos e à picareta peças de arte que datavam de antes de Jesus Cristo. O ataque ao Museu de Mossul, é um atentado que feriu de morte séculos de testemunhos de uma civilização que devia merecer o respeito em primeiro lugar deles, porque são a sua história traduzida em peças do período pré-islâmico de uma beleza indiscritível. A fúria é a mesma e o ódio também, daqueles que há uns anos derrubaram no Afeganistão os Budas de Bamiyán.  

         - Se eles não respeitam a sua própria religião, como poderão respeitar as igrejas católicas existentes na Síria. Duas dezenas de mártires cristãos morreram às suas mãos sanguinárias. Nenhum estratagema militar, nenhuma força bélica poderá acabar com animais acossados pelo ódio e a vingança. É isto que a Europa e os Estados Unidos, a China e o mundo árabe terá de perceber para poder desimpedido estruturar um pensamento diferente que não assente apenas no riposte. 


          - “Vai pró raio que ta parte” disse Alfredo Barroso para António Costa, batendo com a porta do partido e devolveu o cartão de sócio. Este é cá dos meus! O pecado do actual secretário do PS, é não ter a mínima preparação para o cargo e fazer do populismo o trampolim da sua ambição. Ainda hei-de ver os socialistas a gritar: “Seguro, volta estás perdoado.”

quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Quinta, 26.
Detenhamo-nos um pouco mais na inquietante exposição patente no Museu da História Natural e da Ciência que ontem visitei in extremis. Quando me indignei com a corporalização da mesma, referia-me à pobreza da apresentação dos elementos que a compõem - mal iluminados, pouca informação, pouco relevo -, relativamente ao catálogo que é sublimemente bem estruturado e com excelentes textos que suplantam aquilo que nos é dado ver in loco. Devo, contudo, afirmar que ela, a exposição, é fruto provavelmente de um conjunto de carolas como se dizia no meu tempo de Coimbra, que se empenharam com entusiasmo na sua montagem e divulgação. Reparem. Depois de ter pago a entrada, subo ao primeiro andar onde o acontecimento tem lugar. Aí chegado não vejo ninguém, nem indicações, nem o mais ínfimo sopro do piolho que lhe serve de arauto concepcional. Encontro por ali um operário que não percebe o que procuro eu. Sigo por um longo corredor ao fundo do qual está uma mulher de meia idade sentada num banco a ler. É ela que se desloca em busca de alguém que me diga onde está o que me chamou ali. Surge, com efeito, algum tempo depois uma rapariga simpática e elegante que me diz que devo falar na entrada “porque a exposição está fechada”. Refilo – nós portugueses temos sempre de refilar para conseguirmos alguma coisa, é sina nossa -, barafusto que não vou voltar a descer aquela escadaria enorme “porque foi da bilheteira que me mandaram subir”. A mulher parece atarantada. Digo-lhe: “esclareça-me ao menos onde se situa a exposição. - É neste andar, do outro lado ao fundo. Mas creio que não funciona porque não temos pessoal. – Desculpe, paguei bilhete, vim de propósito e agora não saio daqui enquanto não vir o que me interessa conhecer.” A rapariga, engoliu a minha resposta, e diz-me que vai tentar encontrar a chave da porta, que espere eu ali um bocado. Foi tanta a espera, que avancei até ao fundo do longo corredor onde está a mulher a ler, sento-me a seu lado, e como felizmente me desloco sempre com um livro, abri a história das conquistas de Alexandre o Grande e prossegui na leitura. Lidas e anotadas não sei quantas páginas, eis que a rapariga aparece com as chaves. Sou eu que abro então a porta, mas com a condição de depois voltar a fechá-la. Se conto esta minha odisseia, é para dizer do estado em que está o país que os políticos dizem não ter sido humilhado. Quando a cultura é tratada deste modo, é toda a estrutura social e humana que é afectada. Escusado dizer que durante a hora que passei a ver instrumentos vários que ilustram a ideia dos criadores da exposição através dos tempos, não se aproximou nenhum outro visitante não obstante o tema ser de importância capital. Bem sei que para esta casta de líderes saídos na farinha Amparo é mais fácil e perceptível saber que dois mais dois são quatro, ou antes que dois milhões a multiplicar por dois são... faça o leitor as contas que eu nunca fui bom em números).

Vista ampliada de um piolho


         - Nós os portugueses do petit pays, de mão estendida à mendicidade euro-arrogante, temos de gemer para cumprir as ordens ditatoriais dos grandes do euro, mas a França, sendo o segundo dos maiores, foi dada a permissão de mais dois anos para cumprir os famigerados 3 por cento do défice. É por esta e muitas outras que eu há muito advogo a saída de Portugal do euro.

         - Não me parece que haja outra alternativa. Basta como se vê com a Grécia, que um povo vote na esquerda para logo ser encurralado de um modo tal que não lhe reste outra saída. Quem se segue no caminho da desintegração da União Europeia? Espanha? Itália? França?

         - Dois polícias foram colhidos por comboio em Sacavém quando perseguiam dois meliantes. Ambos morreram, mas os gatunos escaparam. Um tinha 23 anos, o outro 26 anos. Grande consternação na corporação e nas pessoas.


         - Basta de desgraças. O mundo não está habitável. Não é preciso ser-se muito inteligente para se perceber o que nos espera à escala mundial. Eu, porém, vou colher urtigas e fazer com elas uns hambúrgueres para o almoço. Se não acreditam experimentem. É fácil. Apanhem urtigas selvagens frescas, piquem as folhas bem bicadas, cozam duas batatas e noutro tacho as urtigas, amassem tudo e formem pequenas bolas, passem-nas por pão ralado e fritem-nas numa frigideira com um pouco de azeite. São ricas em vitaminas B, C e K; em minerais como o magnésio e ferro, entre muitos outros elementos como os aminoácidos e proteínas. A factura da receita segue depois.

quarta-feira, fevereiro 25, 2015

Quarta, 25.
A exposição que está no Museu Nacional de História Natural e da Ciência que tanto encantou Thomas Mann quando passou por Lisboa no início do século XX, com o título aterrador Antómato Vivo? e o subtítulo A vida, um artefacto natural deixou-me petrificado. Devo, contudo, afirmar que o que subjaz nela ou está implícito é muito mais fecundo e interessante que a exposição ela mesma, quero dizer os objectos que supostamente ajudam à sua compreensão e o modo como foram expostos. Sobretudo quando folheamos o catálogo, com uma série de textos de grande qualidade para o que nos propõem os curadores (agora é assim que se diz, valha-nos Deus!) Manuel Valente Alves e Adelino Cardoso. Quando digo que saí de orelhas baixas e coração tremeliques, foi porque o que os trabalhos de uns quantos artistas e alguns médicos e filósofos que nela participam, são muito claros quanto ao futuro que nos espera. E este, se por um lado pode ser radiante, por outro vai de certeza mergulhar o homem numa nova era de trevas. A ideia de que o corpo humano é um artificium vem de muito longe, dos gregos, mas foi a partir do século XVII que ele se vai transformar para alguns um produto artístico. Um dos mais citados, é Leonardo da Vinci com os seus desenhos de um realismo impressionante, que dissecam o corpo humano não apenas a parte visível, mas sobretudo a invisível, quero dizer interior. Ele antecipa de algum modo as pesquisas e a inquietação dos tempos presentes – medicina molecular, engenharia genética e biológica, até ao assustador Haldane, um americano arrogante defensor do que designa de ectogénese, isto é, o nascimento fora do ventre materno - estes muito mais assustadores que as práticas eugénicas como princípio traçadas por Adolfo Hitler. A filosofia foi muito apropriadamente para ali chamada, quando é invocado René Descartes como o primeiro que criou o mecanismo enquanto “explicação” do Universo pelos corpúsculos ínfimos, os conhecidos minina naturalia, como assinala Manuel Silvério Marques quando esclarece que eles são “interação mecânica entre átomos químicos e, portanto, pelas leis da matéria em movimento”. Mas também Kant, e Leibniz têm uma palavra a dizer. Contudo, o ponto de interrogação que é feito no tema apresentado, não é nada apaziguador. Mesmo quando alguns investigadores, médicos e cientistas, querem ver arte no contributo gerado pela natureza. The great contribution of the early modern period to the discussion about automata was therefore the reversal of the time-honoured analogy between nature and art. E depois conclui: After Descastes had equated nature with mechanism, sel-motion lost its original link with spontaneous activity and became a purely mechanical process, while nature could be explained as a sucession of physical actions ruled by a causal nexus. (Guido Giglioni in Automaton, or the human dream on life and freedom). Todavia, o ponto crucial e a mais aterradora interrogação, aquela que nos arrepia e nos põe a pensar, reside no que se apresenta ao homem com a série sucessiva de descobertas: ADN, em 1953 mais o aparecimento da medicina molecular, da engenharia genética, da clonagem humana e da sequenciação do genoma humano, concluída em 2007. Adelino Cardoso e Valente Alves levantam o véu e erguem o pavor servindo-se de Hans Jonas um biólogo quando afirma “o homem transforma-se em objecto directo, como sujeito da mestria da engenharia biológica” e acrescentam “tal representa uma ruptura metafísica com consequências impossíveis de determinar, que por seu turno levanta uma nova questão: a oposição entre reversibilidade e irreversibilidade”, por uma razão muito clara e evidente, na construção mecânica tudo é reversível, na engenharia biológica as suas acções são irreversíveis. Aqui chegado, com o coração cheio de palpitações, pergunto o que nos espera, e se tem alguma importância a ideia da identidade, do património do lugar, da pátria sem falar no que dela dizia Brunschvicg no principio do século XX. Um autómato vivo é um tipo especial de máquina? Perguntam os que se ocuparam da exposição, dando todo o sentido à mesma e transformando-a numa espécie de antevisão do homem do futuro. Como conclusão, vou citar Viriato Soromenho-Marques que tão bem equaciona o problema falando deste nosso século XXI e no projecto que nos oferecem: A hipótese de que passámos da exploração das possibilidades de mudança por aperfeiçoamento simples no software que nos foi dado pela Criação, para a revolução radical no próprio hardware das criaturas que somos; corremos o risco de estar a passar dum paradigma ético para um paradigma genético no que concerne ao projecto de desenvolvimento histórico da condição humana; corremos o risco de transitar do imperativo categórico para as biotécnicas centradas na manipulação do nosso código de barras biológico. E noutra altura: a total ausência de pensamento crítico sobre os limites técnicos e transcendentais do conhecimento e da acção, assume-se não como um anti-humanismo, mas sim como a realização extrema do híper-humanismo fáustico, um “tipo humano” guiada por uma vaga noção de infinito e ilimitado, para quem a humanidade, os seres orgânicos e inorgânicos, e a mais secreta estrutura ontológica do “mundo” são meras peças de uma desmesurada fabricação de si mesmo, para si mesmo. Assino de cruz.  
         A ilustrar tudo quanto escrevi, uma peça em mármore, um maravilhoso Ícaro não podendo com o peso das asas que o escultor José Esteves lhe colocou, oferece um semblante de dor que me deixou imobilizado por muito tempo a admirar a beleza da escultura. Num outro sentido, o mesmo Ícaro visto pelo pintor Fernando Quintas, prémio europeu para jovens artistas, e que eu tenho no hall dos quartos aqui em casa.
O Ícaro sofredor de José Esteves

O Ícaro esplendoroso de Fernando Quintas 

  - Esplendor do Inverno à porta da Primavera.

terça-feira, fevereiro 24, 2015

Terça, 24.
Hoje barrei 231 páginas do diário de Matmatu escritas há anos em diversas tentativas de início do romance. Estão ali empilhadas para serem impressas na outra face e assim terem o aproveitamento que não tiveram para que foram escritas.

         - Outro dia, dando uma vista de olhos pelos escaparates de livros num supermercado, vi um que me atirou a atenção e de imediato o adquiri. É uma obra com belas fotos de Pompeia que eu visitei há poucos anos com o Simão. Logo me apeteceu tomar o primeiro avião e ir conhecer Herculano que o livro também retrata e eu não conheço. O que não me impediu de voltar a entrar no Gabinete Secreto onde estivemos, no primeiro andar, à esquerda, ao fundo, num canto do museu de Nápoles, escondido dos olhares dos visitantes como coisa pecaminosa que corrompe novos e velhos, ao ponto de em 79 se achar que a erupção do Vesúvio foi castigo dos deuses para tanta pouca vergonha. Aquele tesouro de arte erótica, foi descoberto no tempo de Carlos III de Bourbon quando foi rei das Duas Sicílias, em 1752. Quando lhe mostraram uma escultura do deus Pã copulando uma cabra, o pobre soberano recua horrorizado ordenando que se fechasse a sete chaves tão indecente arte. Evidentemente que a Igreja deve ter metido aí a sua mão embora muitos sacerdotes tivessem tido acesso ao espólio. Assim durante mais de duzentos anos, as escavações prosseguiram numa cidade como na outra, mas quem lhes punha a vista eram só estudiosos, gente da alta, pessoas entendidas no século II a.C., etc. Claro que a parafernália de deuses, sátiros, efebos, ninfas e hermafroditas em cenas sexuais arrojadas, não podia estar acessível ao público e por isso só há uma década as figuras em terra cota e bronze de uma beleza e perfeição irresistíveis puderam dar-se a conhecer e com elas uma época que não fora tão usurpadora dos desejos e dos sentidos, das mentes e do corpo como a nossa. No mesmo museu, no primeiro piso à direita de quem entra, está uma bela estátua do favorito de Adriano, Antinoos. Julgo ser aquela que Marguerite Yourcenar preferia de entre o vasto número que o Imperador mandou construir para imortalizar o amante.

         - A gente lê e fica mudo de revolta e indignação e a princípio diz que não pode ser possível. Em que mundo nos foi dado viver! Segundo os jornais, Boko Haram, o líder rebelde fez explodir uma criança de dez anos e na explosão morreu não só a infeliz como muitos dos que estavam à sua volta. Esta barbárie, vem provar que nenhum exército por muito sofisticado que seja, pode acabar com semelhante selvajaria. Como foi possível chegarmos a um tal grau de desprezo pela vida humana, a um recuo aos tempos sombrios e sinistros quando o homem se confundia com a besta.


         - Esta tarde, parei no jardim Príncipe Real diante do quiosque que sempre conheci, ao meu lado um casal de uns trinta anos. Ele lê alto a notícia de um jornal segundo o qual Sócrates vai ficar mais três meses atrás das grades, resposta dela: “Só três meses!”  Pensei: “Não deves ser socialista.” Porque à parte os pequenos meninos d´ouro, o resto dos portugueses têm este mesmo sentimento do sujeito.