domingo, fevereiro 15, 2015

Sábado, 14.
A mim e a qualquer pessoa normal, parece-me absolutamente lógico que os pobres atirados para a pobreza pelos tecnocratas gélidos de Bruxelas, possam ter neste Inverno rigoroso energia gratuita para os aquecer. Foi o que decretou o primeiro-ministro da Grécia, a par da reintegração de milhares de funcionárias de limpeza nos organismos do Estado e do aumento do salário mínimo para setecentos euros. Contudo, aos corruptos da UE, amesendados como príncipes ao erário público, acham estas decisões um atentado às coordenadas económicas estruturadas a papel químico nos seus gabinetes supra-aquecidos. O facto de o povo grego ter votado massivamente nos actuais líderes, é-lhes a eles, democratas de meia-tigela, perfeitamente indiferente.

         - O Rui insiste em que vá guardar-lhe a casa de Manchester enquanto ele vem aqui ao Pinhal Novo onde os pais moram passar duas semanas. Ontem, perante a obstinação, respondi que não sou polícia encartado e aconselhei-o a pedir ajuda a um vizinho. Resposta: “Poça, aqui os vizinhos são os primeiros a assaltar.”

         - A dada altura, no longo telefonema que nunca dura menos de uma hora, ele contou-me a seguinte história a propósito de eu ter falado do Black que não aparece há uma data de dias. Um pobre a viver de nenhuns recursos e ainda por cima estrangeiro, é levado a tribunal por não ter documentos nem autorização de residência. O juiz tenta compreender o infeliz e a dada altura pergunta-lhe o que possui que o retenha em Inglaterra. O homem hesita, titubeia e responde de olhos baixos: “Um gato preto.” Logo o magistrado ordena que lhe seja passado o visto de estadia e que o inscrevam nos serviços de emprego. A população xenófoba que é a britânica, insurgiu-se. Rui que acredita que os felinos pretos dão sorte aos seus donos, ele que também tem um, exultou.


         - Esta manhã muito cedo, entrei no Mac de Setúbal para cumprir três horas de trabalho. Uma das raparigas diz-me: “É o nosso único cliente.” De facto, até quase a meio da manhã apenas um ou outro passante entrou para uma bica ao balcão. Satisfação minha, desolação dela. Depois, quando a cabeça cansada pediu descanso, percorri a Avenida Luísa Todi sob chuva miudinha e entrei no mercado aformoseado de azulejos. Como ando em contenção de despesas, limitei-me a admirar as frutas e os legumes, o peixe e os frutos secos, mas, sobretudo, aquele ribombar de vozes ininterruptas que falam a linguagem dos sons atirados ao ar como pregões. Os mercados são livros abertos onde se aprende a arte do convívio efémero e a da ostentação da pobreza.