terça-feira, fevereiro 24, 2015

Terça, 24.
Hoje barrei 231 páginas do diário de Matmatu escritas há anos em diversas tentativas de início do romance. Estão ali empilhadas para serem impressas na outra face e assim terem o aproveitamento que não tiveram para que foram escritas.

         - Outro dia, dando uma vista de olhos pelos escaparates de livros num supermercado, vi um que me atirou a atenção e de imediato o adquiri. É uma obra com belas fotos de Pompeia que eu visitei há poucos anos com o Simão. Logo me apeteceu tomar o primeiro avião e ir conhecer Herculano que o livro também retrata e eu não conheço. O que não me impediu de voltar a entrar no Gabinete Secreto onde estivemos, no primeiro andar, à esquerda, ao fundo, num canto do museu de Nápoles, escondido dos olhares dos visitantes como coisa pecaminosa que corrompe novos e velhos, ao ponto de em 79 se achar que a erupção do Vesúvio foi castigo dos deuses para tanta pouca vergonha. Aquele tesouro de arte erótica, foi descoberto no tempo de Carlos III de Bourbon quando foi rei das Duas Sicílias, em 1752. Quando lhe mostraram uma escultura do deus Pã copulando uma cabra, o pobre soberano recua horrorizado ordenando que se fechasse a sete chaves tão indecente arte. Evidentemente que a Igreja deve ter metido aí a sua mão embora muitos sacerdotes tivessem tido acesso ao espólio. Assim durante mais de duzentos anos, as escavações prosseguiram numa cidade como na outra, mas quem lhes punha a vista eram só estudiosos, gente da alta, pessoas entendidas no século II a.C., etc. Claro que a parafernália de deuses, sátiros, efebos, ninfas e hermafroditas em cenas sexuais arrojadas, não podia estar acessível ao público e por isso só há uma década as figuras em terra cota e bronze de uma beleza e perfeição irresistíveis puderam dar-se a conhecer e com elas uma época que não fora tão usurpadora dos desejos e dos sentidos, das mentes e do corpo como a nossa. No mesmo museu, no primeiro piso à direita de quem entra, está uma bela estátua do favorito de Adriano, Antinoos. Julgo ser aquela que Marguerite Yourcenar preferia de entre o vasto número que o Imperador mandou construir para imortalizar o amante.

         - A gente lê e fica mudo de revolta e indignação e a princípio diz que não pode ser possível. Em que mundo nos foi dado viver! Segundo os jornais, Boko Haram, o líder rebelde fez explodir uma criança de dez anos e na explosão morreu não só a infeliz como muitos dos que estavam à sua volta. Esta barbárie, vem provar que nenhum exército por muito sofisticado que seja, pode acabar com semelhante selvajaria. Como foi possível chegarmos a um tal grau de desprezo pela vida humana, a um recuo aos tempos sombrios e sinistros quando o homem se confundia com a besta.


         - Esta tarde, parei no jardim Príncipe Real diante do quiosque que sempre conheci, ao meu lado um casal de uns trinta anos. Ele lê alto a notícia de um jornal segundo o qual Sócrates vai ficar mais três meses atrás das grades, resposta dela: “Só três meses!”  Pensei: “Não deves ser socialista.” Porque à parte os pequenos meninos d´ouro, o resto dos portugueses têm este mesmo sentimento do sujeito.