domingo, julho 30, 2023

Domingo, 30.

Não sei o que me deu, acordei com o cérebro inundado de Ana Boavida. Levantei-me às seis da manhã e, depois de tomar o pequeno-almoço, fui regar, tomei um duche e mergulhei nas páginas do romance das oito às dez. Não vou dizer que as musas desceram sobre mim, mas o que ficou penso que é suficientemente sólido para ficar. De seguida saí para tomar a bica, ler o jornal, assistir à missa e após o almoço fiz uns quantos frascos de compota de amora sobre o calor do fogão, cumprindo o programa que me havia proposto realizar. Outro acto criativo que me saiu muito bem, embora fosse a primeira vez que experimentava o fruto. 

         - Vamos ver se nos entendemos. Eu não estou contra as Jornadas da Juventude e a vinda de Sua Santidade ao nosso país; estou escandalizado e enraivecido pelo aproveitamento do Estado laico e contra o novo-riquismo pacóvio do senhor Moedas e a promoção de certos sacerdotes-políticos e dos políticos-sacerdotes. Mas também acrescento: estou e estarei sempre do lado daqueles que reivindicam melhor salários, reformas, condições de vida profissionais e pessoais condignas. Há dinheiro para tudo: amigos, corrupção, políticos, reinação, fachada, os ditos altos funcionários, naturalmente os melhores do mundo pagos a peso de ouro, viagens, contratos temporários sem controlo, obras desbaratas, caríssimas e sem utilidade, etc. etc., mas nunca há para pagar com dignidade à maioria dos portugueses que vivem num sufoco e a esmolar o Estado. 

         - Eu sou observador e tenho esta fraqueza de pensar. Por isso, tenho notado que a maioria dos políticos com o tempo estupidificam, perdem o sentido de humor (os poucos que o têm) e tornam-se pessoas pardacentas. Nada a ver com os seus congéneres americanos ou ingleses, por exemplo. 

         - Manchete da capa do Público: “Partidos descartam mexer na lei para responder a “disfunções graves” na Justiça.” Bah! Mas não é essa a sua função, aquela que eles aprendem nas cápsulas do partido!  

         - Leio sem me surpreender: os bancos ganharam só no primeiro semestre deste ano quase dois milhões de euros. Os paizinhos dos actuais banqueiros, que estiveram ao lado de Salazar e Marcelo, se adivinhassem que em democracia ganhavam bem mais que em ditadura, que teriam eles feito? A senhorita Ana Sá Lopes, escreve: “A plebe é para ser pobre, a banca merece os lucros.” Bah, mas sempre assim foi! O capital nos regimes democráticos é quem manda em tudo e, sobretudo, na classe política dirigente. Eu não os condeno – penalizo os fracos governantes. 


sábado, julho 29, 2023

Sábado, 29. 

“Há desprezo pelos pobres, pelas filas de espera na saúde, pelo incómodo dos transportes, pela vida urbana desconfortável, pelos bairros suburbanos esquálidos e pelos imigrantes ilegais explorados. Os trabalhadores mais qualificados e os técnicos diferenciados, incluindo académicos e cientistas, vivem já uma crise de oportunidades. Insiste-se no modelo de economia de mão-de-obra barata. Os dirigentes da política e da   economia esforçam-se por distribuir, com o que escondem as suas dificuldades em estimular o investimento e a criação de mais riqueza.” Palavras sábias do do costume, com página ao sábado no Público. Não dou de conselho a Costa e ao seu sacristão das Finanças leiam este artigo por inteiro, porque nem um, nem outro vivem no mundo dos seus concidadãos. 

         - O ataque da Justiça entrou agora no ramo privado e eis que surgiram mais uns quantos larápios a contas com o Ministério Público. Está tudo minado, do sector privado ao público. Na berlinda está um tal António Salvador, de cara de bebé Nestlé, meão e ar de ser do Norte no esmero aperaltado da sua pessoa, administrador da construtora Britalar e ligações ao futebol. Só esta semana atrás das grades e em prisão domiciliária, estão meia dúzia ou perto. Para quando a entrada em cena dos grandes e pequenos do PS? Se o MP não se dispõe a actuar já e vai esperar até novas eleições, os cofres cheios do Estado correm o risco de ficar vazios. José Sócrates, socialista, sabe como se faz e ninguém o consegue pôr na cadeia. Grande criminoso este figurão! Não me esqueço do que ele pedia ao sócio de Leiria em código secreto: ”Olha, não te esqueças de me mandar aquilo que tu sabes que eu gosto tanto.”  

         - Quando entrei ele estava instalado nos lugares reservados. Tive dificuldade em me acomodar a seu lado, porque o homem não facilitou entretido a marrar no telemóvel. Devia andar pelos trinta anos, rosto violento, corpo enorme que passava para a cadeira ao lado e tocava as suas pernas grossas como os trocos das dois sobreiros que tenho ao portão nas minhas, a cabeça rapada. Na estação seguinte, entrou uma senhora idosa que ele também não facultou, ficando a criatura sentada de lado. Até Sete Rios, não retirou os olhos do mostrador do telefone. E que via ele? Filmes de barbeiros rapando o cabelo à escovinha aos seus clientes. Foram enfiadas deles que se sentaram nas cadeiras e o passageiro absorvia com tal interesse que me deixou descrente do ser humano. Eu fujo de me sentar ao lado de pessoas gordas, porque exalam um calor insuportável a quem está próximo. Sinto isso imensas vezes com as negras medonhas a quem o vermelho dos estofos prioritários atraem.  

         - Assim, ante a chegada iminente de sua Santidade o Papa, eis que uma nota interessante surgiu. Um artista de instalações, decidiu fazer uma passadeira com notas de 500 euros e forrou a escadaria do palco-altar, na Expo. O acto artístico foi o modo encontrado por Bordalo II (é este o nome do talentoso) para denunciar o aproveitamento escandaloso que todos fazem da vinda de Francisco ao nosso país e aos milhões gastos nas festividades. O gesto de consciência do artista, vai de par com as notícias do Público de hoje. Todavia, embora nos sovem com aquela que somos os maiores do mundo em defesa e programação de acontecimentos (eles dizem eventos), o facto é que Bordalo II entrou no recinto, instalou a revolta e saiu, provando deste modo que a segurança do Papa pode ter furos por onde entre qualquer cilada. Defendendo a menina dos seus olhos, o presidente de Lisboa e o ministro da Administração Interna, chegaram-se à frente jurando que a segurança do recinto só começa amanhã. Mas o finório Moedas (o nome assenta-lhe às mil maravilhas), na sua fúria de ser o protagonista mais importante que o visitante, mandou colocar no primeiro degrau um tapete com a inscrição “Bem-vindo”. O pequeno homem nada percebe do acto litúrgico da celebração da missa, porque se entende-se saberia que a sua momice é de um mau gosto assustador. Acresce que, as expectativas do pobre de Cristo, presidente da Câmara de Lisboa, saíram furadas. A Booking diz que Portugal, para o mês de Agosto, tem menos 7% de ocupação nos hotéis. 


sexta-feira, julho 28, 2023

Sexta, 28.

Nesta espécie de carnaval sagrado onde nos encontramos, pergunto-me onde está Deus. Ele que buscou o silêncio, escolheu uns quantos. Aquela que se reclama da sua Igreja, responde com alarido, festa, bom vinho e boas febras. Tudo isto é simplesmente ridículo. E para este ridículo gastou-se milhões e promoveu-se gentinha sem nível que tanto jeito dariam, os milhões, àqueles que passam fome, não têm casa, são mal tratados nos hospitais, aos velhos que vivem a roçar a existência, etc., porque as necessidades são tais e tantas que precisam da ajuda do bom Deus quando descrêem dos homens que os governam, eclesiásticos e políticos.  Para esta Igreja não dou. 

         - Estive na Brasileira com os do costume. O quadro em volta era a balbúrdia dos subúrbios, gente a tropeçar-se, que fala alto, quase despida oferecendo ao olhar o confrangedor de físicos desenhados na vestimenta justa, provocante, mas que não excita por demasiado explícita e feia. Não só o Chiado mudou de face, como um pouco por todo o lado o horror instalou-se nas ruas e praças. São os ditos turistas, muitos turistas religiosos, que passeiam sem ver, olham sem admirar, inundando tudo do bocejo que os acompanha. 

         - Os fogos voltaram. Cascais, Almodóvar, Algarve, mais uns quantos no Norte. A maioria fogos postos por pirómanos que se deliciam a ver partir grandes zonas de arvoredo. Nada que se compare com o que se passa nos Estados Unidos, França, Espanha e, sobretudo, Grécia onde devastam milhares de hectares há quase oito dias. Dizem que é devido a altas temperaturas; eu acho que é por causa de indivíduos sem escrúpulos ou ambição de dar outra utilidade aos terrenos, ou simplesmente por negligência.  


quinta-feira, julho 27, 2023

Quinta, 27.

Devido ao amável convite que o Paulo nos dirigiu, a João e a mim, para retornarmos ao Museu de Marinha, desta vez sem o folclore oficial, tão ao gosto dos enfants de António Salazar. Ele e o Alexandre São Marcos, foram os curadores de um projecto extremamente interessante que comemora os 160 anos da instituição. A figura central da exposição, é João Vaz (1859-1931), o pintor que amou o mar, isto é, a raiz portuguesa. Artista notável que vale a pena conhecer, num acervo que os dois amigos recolheram pelo país, alguns em colecções privadas, outros em museus nacionais, durante meio ano de intensas buscas e negociações. O resultado ali está a provar que se pode fazer coisas bem feitas sem contar com a Marinha que, enquanto organização pública, não gosta de se dar ao esmero e à dignidade de enobrecer o património que está à sua guarda. De contrário, não exibia o laxismo de ter nas paredes do museu (primeiro andar) obras notáveis, mas às escuras, sem iluminação que realce a grandeza do génio do insigne mestre, como de outros da sua geração. E João Vaz merece de facto um olhar atento, um momento de intensa introspecção, a memória a deslizar sobre as águas tranquilas, a beleza da cor, tornada íntima pela absorção de elementos pictóricos que representam a nossa história, o povo que sempre fomos, as aldeias onde o sol bate em fachadas identitárias que ainda hoje são a imagem de um país banhado pelo Atlântico, onde barcos continuam a navegar, a pesca a laborar e os horizontes expostos ao delírio da nossa interjeição. Pintor realista, João Vaz soube como alguns outros da sua geração - uma geração de artistas que marcou o início do século XX – imprimir uma certa forma de modernismo que tem na atmosfera, no conhecimento da cor, no ambiente que irmana quem vê, nas linhas puras que marcam a tela e são por elas extensíveis à grandeza da arte enquanto manifestação humana do gesto divino. Na longa visita que o Paulo nos proporcionou, pude revisitar um museu que era já para mim passado, ressuscitado subitamente pela exposição sentida e querida, de quem culturalmente sabe do que fala.

De um vídeo com o Terreiro do Paço, em 1900.

Pescadores na faina.

Muleta - barco típico do Barreiro

         - Justamente. Quando deixámos o interior para estendermos a vista sobre as águas do rio, sentados na esplanada do outro lado do grande circulo Manuelino, sob um calor assustador, tive o ensejo de dizer ao Paulo que ele fez muito bem em ter deixado a política e aquele cenóbio de intrigas e corrupção que é o Parlamento europeu onde esteve anos. Hoje vejo-o mais solto, mais feliz, inteiro para escrever calmamente os seus livros, o último dos quais esteve aqui em baixo muito tempo antes de subir à estante, porque as suas páginas reconfortavam-me de conhecimento e ancoradoiro às coisas que lhe são queridas. Paulo é rigoroso, o semblante deitado nas profundezas do seu vasto mundo interior, apenas acessível a poucos, uma reserva austera impede que cínicos se aproximem, há no seu semblante um escudo que o defende da mediocridade, e um sorriso simpático que generosamente distribui a quem muito bem entende. Disse-me que em Bruxelas ganhava bem, mais uma razão para eu achar que a nobreza do seu gesto diz tudo do seu carácter. E já agora introduzo aqui Montherlant: “Il faut que je gagne ma vie! Réduisez vos besoins, et vivez à moindres frais dans quelque retraite méridionale. Guérissez- vous-y de ses trois vices, le travail pour le travail, l´action pour l´action, et la rage de faire figure, qui vous retenaient dans le Nord insensé.”   


quarta-feira, julho 26, 2023

Quarta, 26.

O líder do PSD declarou: “Eu só governarei Portugal se ganhar as eleições. Só governarei se tiver a confiança do povo. É assim que eu vejo a forma de catapultar Portugal para um projecto de transformação, de mudança, de esperança para o futuro.” Palavras. Paroles. Mots. Words. É tudo o que ele tem feito. Não se lhe conhece um programa consistente, uma palavra impulsionadora, uma medida que seja melhor do que as que António Costa aplicou e até das outras propagandísticas que são a maioria. O homem tem toda a lábia adquirida no Parlamento e não só a lábia como a falcatrua, a técnica do engano, o lampadário do provinciano. 

         - Talvez o país não mereça mais ou antes logre tipos como estes que nos têm calhado na rifa da desgraça. Com eles e a democracia singular que é a nossa continuamos pobres, subdesenvolvidos, tementes a Deus e à Pátria, mas alegretes e apaixonados e desinteressados e baldios e invejosos e sorridentes em dança permanente, em cantares ao desafio, em futebol driblado,  humildes, grotescos, passivos e superficiais. Amamos o que é transitório, acolhemos nesta altura de Norte a Sul um arraial de bandas, de cantores com vocalizações antropoides que arrebatam multidões, figuras grotescas cantando elevados poemas como este que escutei de raspanço: “Senta aqui mulher no meu colo, o que tu queres é chop chop (e repetia em refrão) chop chop chop.” Não é tão engraçado, tão “gostoso” viver neste reino encantado?! Eu, por mim, não o troco por nenhum outro. Sol, mar, futebol e cantinas são “a minha praia”. Que se lixe a fome, a miséria, a sacanagem dos políticos, a pilhagem do erário público, o analfabetismo, o trabalho, a arte, a ciência, a disciplina, a honradez, o silêncio que nos reduz à nossa ínfima e grandiosa pequenez. Chop chop chop. 

         - Manhã cedo andei a apanhar amoras. Quero juntar um quilo para fazer no fim-de-semana compota ou antes confiture como dizem os franceses. Ontem aconteceu aqui um dia divino. Avancei lá fora no muito que há sempre para fazer, trabalhei no romance, fiz meia hora de natação, estudei a Bíblia (tomo 1 de Os livros Históricos), reguei, carreguei para queimar no Inverno os dejectos cortados que formam já um comboio. 

Se isto não é trabalho, o que será? 



segunda-feira, julho 24, 2023

Segunda, 24.

Enfim se houve vencedores nas eleições de Espanha, foi mais uma vez a abstinência. Sánchez ganhou um pouco mais do que as sondagens lhe davam; Feijóo menos e, embora com mais votos, não alcançou a maioria antecipada. Com estes resultados, é certo e sabido que dentro de meses os espanhóis e espanholitas vão ser chamados a desempatar a contenda. Dizem que é a democracia a funcionar. Entretanto, o camarada António Costa, raspou-se para Timor Leste.  

         - Incêndios por toda a Europa e Índia e Estados Unidos. O foco principal está na ilha grega de Rodes onde a calamidade, corrida a ventos fortes, percorreu quilómetros obrigando milhares de turistas a fugir. Pensa-se que pelo menos 30 mil pessoas tiveram de ser evacuadas de hotéis e residências privadas para lugares seguros. Muitos visitantes, enalteceram o trabalho dos gregos na ajuda dada a quem necessitava. Pergunta-se porque razão essa ajuda humana não foi estendida aos milhares de migrantes que desembarcam nas costas da Grécia. Bem sei que são mais importantes os turistas que deixam fortunas no país, que os infelizes que deixam a vida. 

         - Francisco não tarda está aí. Ao que parece são às centenas os jovens a fazer estágios para desempenho público de serviços vários. No entanto, alguns deles, que deviam dar o exemplo aos outros, envolveram-se numa rixa num parque de estacionamento, em Lisboa. A polícia veio e o caldo entornou-se. 

        - Comecei sem  saber no que me metia. Acontece que num degrau de pedra que dá para a piscina, um pássaro deixou uma semente de sobreiro. Num ápice tinha uma pequena árvore formada que era preciso cortar. Comecei com um machado e depois com a serra. Levei mais de meia hora na operação e saí exausto de tanto esforço. Perto está um caramanchão de glicínias que impedia a passagem. Vai daí entrei naquele entrelaçado de vegetação sem saber que havia silvas e troços com picos. Estava em calções, sem luvas, braços nus e quando terminei a operação, tinha as pernas, as duas, a que os homens gostariam de exibir e a que os jovens e as mulheres invejam, em sangue. E também os braços e as mãos. Afoito-me como me afoitava quando tinha vinte anos. Ou será que há em nós um universo interior que nunca envelhece e não coincide nem vai de par com a figura que exibimos carregada dos anos que se foram encavalitando!

         - Regressar a mim, espreitar quem sou pelo buraco estreito do tempo, gritar ao silêncio que não me deixe, pedir à vida que me aceite em vida de forma a purificar-me nos anos que me restam até à ressurreição que eu acredito acontecerá.    


domingo, julho 23, 2023

Domingo, 23.

Mais um crime bárbaro praticado pelo fascista Vladimir Putin. A martirizada cidade de Odessa, esteve ontem sob forte saraivada de mísseis e a par de alguns mortos, sucumbiu também a Catedral Ortodoxa, tida pela UNESCO como património mundial da humanidade.  

         - O Presidente da República reuniu o Conselho de Estado para fazer o balanço de um ano de governo. Ao que transpirou, a reunião foi azeda com muitos dos conselheiros a atacar, forte e feio, o optimismo (eu chamo-lhe mentiras e manobras) do primeiro-ministro. A meio da sessão, António Costa abandona a reunião para apanhar o avião rumo a Nova Zelândia onde vai assistir ao jogo entre a equipa portuguesa feminina (outra praga, não nos bastavam os homens, temos agora também as senhoras) e a neozelandesa. Marcelo, grande entendido em política, sabe mais só que todos os outros juntos, deliberou que a sessão tem continuidade e fim em Setembro depois das férias. Toma e embrulha Costa. 

         - Está toda a gente farta da governação aldrabada dos socialistas. No essencial são iguais a todos os outros partidos que logo que se apanham no poder, voltam-se para o seu umbigo em adorações glorificadas. O facto é que estão a desaparecer do mapa em vários países civilizados, tendo a debandada começado em França com o pateta Hollande, onde não contam para nada. Chegou hoje a vez dos nossos hermanos espanhóis que, segundo as primeiras sondagens à boca das urnas, a direita (que eles apelidam de extra-direita), pode alcançar o poder a tocar a maioria absoluta. A motivação propagandística do PS espanhol, é rigorosamente a mesma que António Costa conta para ganhar a confiança dos portugueses. 


sábado, julho 22, 2023

Sábado, 22.

Ontem, a convite do Paulo Santos, desloquei-me com o João a Belém à inauguração da exposição de pintura de João Vaz, integrada no programa comemorativo dos 160 anos do Museu da Marinha. O protocolo exigia pompa e circunstância e eu tinha chegado de calças de linho branco, t-shirt creme às litas azuis, sapatos castanhos; enquanto o meu companheiro, mais habituado às formalidades do Parlamento, vestia fato completo azul escuro, gravata e sapatos pretos. À entrada, fomos fotografados com o curador meu amigo e entrámos no belo edifício com permissão de subir ao primeiro andar antes da inauguração propriamente dita do acontecimento. Isto porque, não tendo convite nem o nosso nome no livro de honra à entrada, foi o Paulo Santos que se encarregou de encontrar a saída para o crime de lesa majestade. Depois de ter sido apresentado a altas patentes da Armada, com aperto de mão e risinho cínico, avançámos para o interior onde a agitação era medonha, mais a mais porque estaria para chegar o oficial das vacinas covid-19. Aí nos acomodámos num banco duro, eu a observar com a minha atenção habitual o burburinho do pessoal em farda de gala, homens e mulheres, a agitação solene como se todos dançassem o vira nortenho para nós. Eu devo ter feito figura bizarra a toda aquela gente vestida a rigor e daí que sentisse os olhares cruzados sobre mim. A dada altura diz-me o Corregedor, “por mim ia-me embora e voltaria daqui a uns dias”. Assim dito, assim cumprido. Alçámos daquele ambiente a tresandar a salazarismo, cheio de salamaleques, respeitinho, hierarquizado e fomos enfiar-nos no café em frente da parada. Daí vimos chegar o homem das vacinas, com direito a banda da Armada (por sinal tocando afinada e muito bem), e outras ditas individualidades, todas em carros pretos (Mercedes e Volvos), com motorista de fato escuro e gravata vermelha, que por sinal assim que puderam rasparam-se para a mesa ao nosso lado, a emborcar cerveja, eram uns seis, que com o calor não se brinca. Estava farto daquele espectáculo ridículo e dispendioso e insistia com o João para que partíssemos. Nunca deixei de pensar que Portugal, na matriz profunda, pouco mudou com o 25 de Abril. No lugar dos que foram corridos, depressa se instalou uma resma de “democratas”, amantes do poder e das honras palacianas, que agora apregoam a nova ideologia do clima, mas gastam à tripa-forra, privando o povo do essencial: consumo de energia no conforto das suas casas, carro para deslocações, e um sem-fim de hábitos inimigos dos gastos mesmo os mais elementares, para que eles possam continuar a deslocarem-se de carro onde nas traseiras vai alguém importante acima de todos os outros.  

         - Eis o belo programa para eliminar trabalhadores, jovens, imigrantes das ruas onde dormem em tendas e cartões: o Estado arrenda, por exemplo, um T5 em Lisboa, por 2.200 euros e depois subarrenda por 900 euros mês aos necessitados de um teto! Isto tem alguma lógica? Parece que sim, no entender do gestor António Costa. Criar estruturas, pensar o país de baixo para cima, regular, retirar mordomias, aumentar salários e reformas são atitudes que não ocorrem a este Governo miserável. É mas fácil ter o povo subjugado às esmolas periódicas, que organizar a sociedade com hipóteses de dignidade para todos. 

         - A guerra na Ucrânia caminha a passos largos para um conflito sem dono. Não contente por ter incendiado 60 mil toneladas de cereais que tanta falta fazem aos povos africanos e à humanidade num todo, o fascista que reina em Moscovo, parece querer estender a guerra à Polónia. 

         - Dia de muito trabalho: regas, pratos para arquivo, apanha de amoras, ida ao mercado dos pequenos agricultores. 


quarta-feira, julho 19, 2023

Quarta, 19.

Adão e Silva: “A preocupação essencial das pessoas são as suas condições de vida.” Por aqui se vê que sua excelência nada sabe do essencial da vida, senão a obrigação de dizer ámen ao seu dono. Pobre homem devorado pela ambição. E diz o pregador da SIC que se trata de alguém “muito inteligente”. Bof.

         - Por toda a Europa os povos sofrem com a canícula. Na Índia das monções e em algumas zonas dos EUA, são as chuvas diluvianas. Nós por cá parece que estamos protegidos pelo anticiclone dos Açores habitualmente hostil. De quem é a culpa deste tormento? É sempre do mesmo: as alterações climáticas.

         - Qualquer romancista sabe uma vez encontrada a ideia (que alguns chamam criação) tudo resto é trabalho e trabalho duro. Foi o que se passou esta manhã. Tinha escolhido sentar-me no Alegro logo à abertura, pelas oito, em Setúbal, onde o ar condicionado costuma funcionar, mas não só este não estava ligado, como a labuta com Ana Boavida foi medonha. A tal ponto que, ao fim de hora e meia, estava exausto, a tensão lá em cima, o corpo lasso de tanto labutar com as palavras, feitas e refeitas, uma dúzia de vezes. Desisti. Como aquelas donas tontas que não têm nada para fazer se não derreter o dinheiro dos maridos (suponho que hoje só as dos jogadores de futebol), entrei no supermercado e recolhi o necessário para esta e a próxima semana.  Depois do almoço, dormi uma curta sesta. De seguida, comecei a preparar um punhado de livros que deviam subir à biblioteca de cima. Mas esbarrei na correspondência de Marguerite Yourcenar, D´Hadrien à Zénon (1951-1956) e fui relendo notas, sublinhados durante uma boa hora (li as 620 páginas em 2004). Que mundo fabuloso e culto o desta mulher! Que luta com editores que a enganavam, não lhe pagavam, eram desonestos! Que universo de saber que a levava ao pormenor, ao ínfimo detalhe que a aproximasse da nitidez, da verdade, da perfeição! Depois dei comigo a pensar que sem tempo, essa misteriosa personagem, a cultura não pode florescer. Ele e o silêncio seu irmão prendem aquele que se isola para se instruir, para trabalhar, qual eremita que encontra na oração a ligação ao divino. Talvez seja por isso que eu costumo dizer que a escrita é sagrada e vejo com maus olhos o dandismo dos escritores dos nossos dias, sem ideias, sem arte, sem vivência, sem qualquer sentido profundo que escrever exige. Alguns fixam-se um tomo por ano e depois lamentam-se que ninguém queira perder o seu precioso tempo a ler história de lana-caprina. 


terça-feira, julho 18, 2023

Terça, 18.

Desdobro-me todos os dias em múltiplos afazeres. Faço-o por mim e pela natureza das coisas, num esforço por vezes difícil de suportar. O corpo pede-me descanso, mas ao mesmo tempo há nele um impulso de vida que requere arrojo, continuação, luta. Por exemplo, domingo fiquei horas de pé a confeccionar compota de morango e uma tarte para arquivo. Antes, pelas sete da manhã, sendo domingo e, portanto, com o quadro bi-horário a energia mais barata, passei duas horas a regar, a puxar mangueiras por vários metros de chão. Se juntarmos a isto as leituras, a escrita, a reflexão, o apuro da casa onde a anarquia por vezes se instala, temos o quadro arrastado dos dias agitados quando era suposto viver no campo na paz doce do Senhor. Como aqui o trabalho nunca acaba, tenho agora o hábito, pela fresca, de avançar por núcleos cortando rebentos de árvores aqui, abrindo caldeiras em redor das árvores para a água se fixar acolá, levando para queimar no Inverno os restos de podas, cortando os rebentos de sobreiro que estão por todo o lado, extraindo dos troncos previamente cortados para a lareira a capa de cortiça, apanhando a alfazema, atacando as silvas que agatanham pelas laranjeiras e macieiras, ufa, enfim cada vez mais longe do descanso a que uma vida agitada tem direito, mas que o dever, a responsabilidade, o dinheiro para ter um manajeiro, se interpõe. Dito isto, vou fazer meia hora de natação.    

         - A Bíblia é um emaranhado texto anárquico e violento. 

         - A corrupção tem sido a canção que vem embalando a governação de António Costa desde o princípio. Nunca deixou os jornais, as televisões, a conversa dos cafés e transportes públicos. Está de novo ao rubro. Fala-se de milhões de milhões de aldrabices e fugas ao fisco. Enquanto isto, o Governo prossegue afastando do chão os galhos de podridão, como se tudo isto não lhe dissesse respeito. Algures S. Paulo diz que a corrupção escraviza. 


segunda-feira, julho 17, 2023

Segunda, 17.

Prosseguem as greves dos barões da CP. Fez-me muita pena aquele casal de velhotes que encontrei na gare, duas malas pesadas que arrastavam com dificuldade, quando leram no ecrã da estação que o comboio que iam tomar tinha sido suprimido. Olharam-se, atarantados, sem saber o que fazer. Sentaram-se depois no banco ali perto inquirindo-se do destino a dar aos seus projectos. As pessoas passavam apressadas; eles ali ficaram afundados no escuro denso do vazio, da inquietação, do imprevisto.     

         - O que disse quarta-feira dia 12, veio ao correr dos dedos, diretamente do cérebro que tudo retém, empurrado pelo coração que espalha pequenas cintilações que incensam a página em branco. No fundo, as palavras de Mateus (26: 27-28-29 do texto grego), são o sustentáculo da nossa vida e da Igreja. Na última Ceia do Senhor, ficou registado o futuro e a base da nossa existência presente e futura. Toda a teologia, toda a imensa cultura religiosa, pouco acrescenta às derradeiras palavras de Jesus Cristo aos seus discípulos. Elas são tão simples, tocam-nos com tal profundidade, que todos os tratados nada acrescentam que nos faça aproximar de Jesus. É por isso, que o carnaval da vinda do Papa Francisco a Portugal, me parece ridículo. A mesa dos altares das nossas igrejas, como consubstanciação da última reunião com os apóstolos, seria suficiente para com dignidade acolhermos o Sumo Pontifico. Mas aqui imperou o novo-riquismo próprio dos povos subdesenvolvidos. 

         - Enquanto isto, António Costa, igual a si mesmo, veio derramar promessas sobre a arte de bem velar pela corrupção. Diz sua excelência, cúmplice do camarada José Sócrates que justiça alguma consegue deter, que sempre atacou a corrupção, mas não convence nem o patego de Trás-os-Montes. De contrário, fixemo-nos na  Entidade para a Transparência, que o Governo levou quatro anos a procurar instalações, enfim encontradas em Coimbra. Depois de haver sede, continua a não haver secretárias, armários, plataforma electrónica, sofás confortáveis, sanitas, de forma a que em consonância com instalações dignas possam os responsáveis verificar as declarações de rendimentos e incompatibilidades dos políticos e titulares de cargos públicos. Apetece perscrutar o pensamento de Costa: quanto mais tarde melhor. A lei das incompatibilidades foi aprovada pela Assembleia da República em 2019! Tudo isto é risível, senhores. A mim não me enganam. 

         - Ontem, repousando no sofá do salão, pensei por muito tempo em Ana Boavida. À medida que ela se vai desvendando, arrasta-me consigo num movimento que descobrindo-se me descobre. Até talvez ao final, quando ficarmos frente e frente, estupefatos, por havermos contado aquilo que a nossa natureza comum devia ocultar.  


sábado, julho 15, 2023

Sábado, 15.

O chamado caso da morte de Jéssica, a menina de três anos vítima de maus-tratos, que morreu o ano passado em Setúbal, mereceu do Ministério Público 25 anos de prisão para os familiares, incluindo a mãe.  A procuradora foi mesmo ao ponto de afirmar que “os arguidos agiram de forma cobarde contra uma criança indefesa”. De facto, não se conhece um tal grau de violência que nos perturba a todos e faz pensar. 

         - Vou citar mais uma vez António Barreto e sempre com prazer, que de forma lapidar reflecte todas as semanas sobre os casos e casinhos de que António Costa tanto gosta e com eles distrai o povo do essencial que não sofre alterações e tanto prejudica a democracia. “Em teoria, os partidos políticos são perfeitamente capazes de resolver a corrupção e de legislar em conformidade. O problema é que são homens e mulheres que fazem os partidos. Mesmo os que lutam contra a corrupção. Na verdade, assiste-se, neste domínio, à síndrome da duplicidade desportiva: pode-se destruir, matar e roubar, desde que os autores sejam amigos e os prejudicados adversários. Outra regra a seguir pelos amigos: não ser visto pelo árbitro, pela policia ou pela justiça! Tal como o futebol, a política partidária pode ser destituída de moral. Roubar não é necessariamente mau, desde que não se veja. E não é muito diferente do capitalismo: tudo é possível, desde que seja bem feito! E é absolutamente igual ao comunismo: desde que lucrem os amigos e sejam prejudicados os inimigos.”  

         - Assim é com efeito. Atente-se no novo caso relacionado com o milionário Armando Pereira e a sua Altice de má memória. Crimes de corrupção privada desta vez na forma passiva e activa. O rol de acusações dele e dos assistentes, é medonho: só os crimes de fraude fiscal qualificada é superior a 100 milhões de euros! Ele é considerado um dos homens mais ricos de França onde ocupa a 71ª posição, com uma fortuna avaliada em 1600 milhões. Eu fico doido quando leio estas coisas. Para que quer o homem uma tal fortuna que o torna um delituoso aos olhos de todo o mundo salvo aos dos seus pares tão gananciosos como ele! Aqui deixará tudo e, sobretudo, a imagem que perdurará da sua passagem por este mundo – uma imagem de contrabandista e criminoso. O resto, os valores materiais, um simples terramoto os enterra, um filho doido varrido pelo lucro, os derrete. 

         - Rui Rio, majestoso, ontem na SIC. Defendeu-se como um guerreiro do que o MP o acusa. Só não concordo quando afirma: “Ao atacar-me a mim, estão a atacar a democracia toda. Quando o Ministério Público dá a entender que são todos corruptos, é a democracia que estão a atacar e eu estou aqui a defender a democracia” Sim, mas. Eu inclino-me para o MP como guardião da democracia, porque da parte dos políticos a vergonha, a bandalheira, a corrupção é tal e tanta que, não sendo generalizada, amarfanha uma grande totalidade dos nossos anafados governantes, doutores da mula ruça. O Ministério Público trabalha noite e dia, 24 sobre 24 horas, a perseguir criminosos políticos e muito pouco delinquentes de delito comum. 

         - Ontem estive duas horas à espera de comboio para regressar a casa. Foi a primeira vez que tal me aconteceu, pois o Fertagus, sendo privado, raramente faz greves. A multidão foi-se acumulando no cais e às tantas o burburinho era mais que muito. Se algum político ali estivesse bem podia fugir, porque as ameaças, os nomes (“cambada de corruptos”, “aquele bardamerdas de ministro dos comboios”, “se fosse lá fora já tinham incendiado as carruagens todas”, “no tempo do Salazar não faziam eles isto”) compunham e exaltavam a revolta que varria a gare de um lado ao outro. 

         - Acabei de pagar os milhares que me pediu o Dr. Cambeta para voltar a ter um sorriso que qualquer medíocre actor de Hollywood inveja. Podia ficar como o Gordilho, desdentado e não teria durante estes últimos seis meses o aperto financeiro que tive, ao ponto de contar os patacos. Foi difícil, mas já posso morrer tranquilo. E morto, ter a certeza que, cruzando-me com François Hollande, não ouço aquela bojarda socialista: “Olha, ali vai mais um pobre desdentado.” Só um honesto socialista, ama deste modo os pobres infelizes.  


quinta-feira, julho 13, 2023

Quinta, 13.

Voltando ao assunto da Jornada Mundial da Juventude instituída pelo Papa João Paulo II. Nunca se fala no objectivo desta reunião, fala-se do que o país vai ganhar em prestígio, do enriquecimento de uns e outros, da notoriedade para o governo socialista e social democrata na autarquia da capital, num aproveitamento vergonhoso que nada tem a ver com Jesus Cristo que não é tido nem achado para o caso. A própria Igreja, afastou-se dos seus princípios, refastelada no social em desprimor da salvação da alma de cada um e de todos os seus fiéis, da Ressurreição dos mortos, das inquietações espirituais, dos marginalizados pela Igreja como os homossexuais, etc. O espectáculo passou a ser religioso, aproveitando a leveza própria da juventude, convencida que assim traz para o seu seio mais uns milhares de jovens, como se Cristo não tivesse dito que “muitos são os chamados e poucos os escolhidos”. Deus parece estar ausente desta festa em tudo semelhante a muitas outras que varrem nesta altura Portugal de Norte a Sul. O deus dos milhões anda de boca em boca; o deus da exploração da inocência dos jovens e dos quartos alugados a 1500 euros a noite; o deus dos milhões gastos neste acontecimento e tão necessários aos pobres, aos hospitais, às instituições religiosas que matam a fome, ao pão de cada dia que está faltando em milhares de lares... Os sacerdotes andam excitados de tanto rebuliço; os políticos folgam desviado o foco das suas caramboladas habituais e no escandaloso aproveitamento que dele fazem; o Portugal crente olha e esconde a cabeça de vergonha.   

         - Do outro extremo do continente, chega a ameaça do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, prevenindo os 11 países parceiros da Ucrânia, “que a Rússia considerará uma ameaça de âmbito nuclear a presença na Ucrânia de caças F-16”. Esta advertência, vem no seguimento da reunião dos 11 países, terça-feira, que definiu as condições de formação dos pilotos ucranianos nos caças F-16 e do aviso do ministro da Defesa, Oleksy Reznikov: "Os F-16 protegerão os céus da Ucrânia e o flanco oriental da NATO. A força aérea ucraniana está pronta para os dominar o mais rapidamente possível." Entretanto, a guerra que dura há dois anos, provocou já 223 mil mortos do lado russo e 131 mil do lado ucraniano; além de 5,97 milhões de refugiados ucranianos e 70,70 mil milhões de euros em ajudas à Ucrânia sendo os Estados Unidos o maior financiador. 

         - Hoje tudo custa milhões ao erário público. Só os estragos feitos pelos energúmenos em França quando da morte do rapaz de origem marroquina, custaram 650 mil milhões de euros! Destes 20 mil são para adquirir nova frota de autocarros calcinados e reparação de mobiliário urbano e edifícios queimados na minha queria comuna de Saint Denis. 

         - Bem vistas a coisas, todo o alarido em torno de Rui Rio, apenas serviu para os senhores instalados no governo como se o país fosse a sua coutada, desviarem a atenção dos portugueses das manigâncias que se sucedem a um ritmo avassalador. Eu temo o que vai acontecer quando estes cavalheiros forem corridos; quantos Sócrates irão saltar da cartola que escondeu a ganância sob as virtudes apregoadas.  

         - Decididamente, os relógios perseguem-me quando vou ao Corte Inglês. Ontem, ao atravessar o espaço do primeiro andar, deparei com um Rolex lindíssimo e logo recuei assustado: 39.600 euros! Ainda pensei pedir ao “melhor jogador do mundo” que mo presenteasse, mas ele veio da pobreza extrema e o dinheiro é a importância e objectivo da sua passagem por este mundo. Dito isto, admiro e dou loas à sua devoção ao trabalho.   

         - Cedo comecei e acabei de desbastar as palmeiras. Trabalho difícil que me deixou todo picado. Nada que meia hora de natação não curasse. 


quarta-feira, julho 12, 2023

Quarta, 12.

Ontem carreguei Ana Boavida às costas e fui sentar-me na Fnac onde habitualmente o sossego é grande. Desta vez porém, havia uma sessão fotográfica e aquele desassossego era incompatível com o silêncio que madame pedia. Carreguei-a de novo e fui sentar-me no Vitta Roma à sombra do ar condicionado e aí avancei no romance. Isto está a tornar-se uma obsessão o encontro diário com um mundo que me aparta deste onde, para ser sincero, não encontro nenhuma energia nem criatividade. Prefiro o mundo da fantasia, mais real que este outro onde estamos todos a navegar à vista do desastre total. 

         - Por esta ninguém ou quase esperava. Quem me dá a notícia é o Público quando abro o computador. A PJ faz buscas a casa de Rui Rio e às sedes do PSD em Lisboa e Porto. Por que razão? Pagamentos a funcionários do partido com recurso a verbas da Assembleia da República! Não é nova tal falcatrua. Lembro-me de Le Pen fazer o mesmo com dinheiro do Parlamento europeu. Este pobre país merecia melhor classe política, mas pelos vistos bem pode esperar... no sepulto. A seguir com atenção.  

         - Ufana-se a Igreja, os ilustres panfleteiros da política, a hotelaria, a restauração, o  comércio, a indústria, os serviços, os privados com quartinhos preparados à pressa, o PIB de António Costa, as promoções canónicas, as juntas de freguesia, as televisões, os jornais, o autarca de Lisboa que tomou o acontecimento como trampolim a Presidente da República ou primeiro-ministro, todos impacientes por ver chegar um milhão de peregrinos no encalço de um pobre homem de branco, o mais humilde de todos os papas, que, como S. Francisco, elegeu a pobreza e a austeridade enquanto forma de vida. O que o Papa vem fazer a Portugal, é simplesmente pregar a pobreza e a solidariedade entre os povos, falar de Jesus Cristo, incentivar os jovens a serem solidários e sadios. É pouco e é muito. Para tal servia uma simples mesa para a missa enquanto símbolo de perenidade e sequência de vida, sacrifício de Jesus na cruz e Sua Ressurreição, bênção do pão e o vinho, em antecipação da Sua morte e, simultaneamente, continuação da Sua Palavra e passagem do Filho de Deus por este mundo, despedida dos apóstolos naquela última e impressionante ceia, quando lhes diz tomando o pão: “Tomei todos e comei, este é o meu corpo.” Depois o cálice: “bebei todos este é o meu sangue, o sangue da eterna aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim.”  No fim são estas divinas e para mim emotivas palavras que o Papa Francisco vem repetir e são o estigma da passagem de Jesus por este mundo e, simultaneamente, a promessa deixada da vida eterna. O que me pergunto, é que tem este alvoroço mercantil a ver com o Santo Sacrifício da Missa, ponto principal de união com todos os que seguem o Papa? O eufórico e interesseiro presidente de Lisboa, até já fez as contas e diz que cada visitante vai deixar 600 euros e isso multiplicado por um milhão dá 600 milhões. Contas de merceeiro, de vendilhão do templo, a quem eu não comprarei uma simples Ave Maria. 

         - Escrevo estas linhas no C.I. Cheguei cedo a Lisboa ao aceno do Dr. Cambeta para estar no seu consultório e reservar o dia para a colocação da prótese definitiva (a inferior). Ele atendeu ao meu desagrado com a actual que me serve há seis meses, feita de dentes de rato, pequeninos e todos bem alinhados, como se a Natureza fosse perfeita e todos nós seus vassalos devêssemos corrigi-la. Como não posso comer, vim até aqui engolir uma sopa e sobremesa de gelatina. O interior é fresco e estou próximo do consultório, por isso aqui me quedarei até à meia tarde. Trabalho neste registo e como trouxe o croché de madame Boavida, aproveitarei todos os minutos. A propósito. O Dr. Cambeta é leitor deste diário e disse-me que eu não poupo ninguém. Contou-me que a filha mais velha milita no PSD e trabalha numa junta de freguesia de Lisboa. Há tempos esteve doente e foi parar ao hospital. Na sua ausência os camaradas falsificaram-lhe a assinatura em documentos decisivos para os cidadãos. Portugal é também isto. A corja de gente reles que abraçou a política com a canga de interesses de muita ordem, todos nos antípodas sociais e democráticos.  


segunda-feira, julho 10, 2023

Segunda,10.

O aperto à liberdade aperta-se cada dia com o pretexto nobre (dizem eles) de proteger a democracia. A França quer abrir as fronteiras dos telemóveis à polícia para que possa espiar suspeitas de crimes, usar câmaras e microfones remotamente e ainda dados de geolocalização e até outros aparelhos como computadores portáteis.. Nunca estivemos tão próximos de vivermos em campos de concentração como hoje. O feitiço das redes sociais, voltou-se contra o feiticeiro.  

         - Aliás nada disto é surpresa. O mês passado França, Alemanha, Grécia entre outros países incluindo Portugal, prepararam um projecto de lei, espécie de adenda que introduz uma excepção na nova lei europeia dos media, relacionada com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE. Que pretendem eles? Querem que lhes seja permitida a vigilância dos jornalistas e dos seus interlocutores (diga-se fontes), até mesmo a utilização de software-espião quando as autoridades considerarem necessário. A coisa é séria. A tal ponto que o Governo sueco que presidia então ao Conselho, à ultima hora, acrescentou um parágrafo onde afirmava “que o artigo 4º não prejudica a responsabilidade dos Estados-membros nacionais”. Esta é uma “excepção” francesa, que quase todos os países saudaram. Estamos lixados, nós que dispensamos o algoritmo e somos pela liberdade de expressão. 

         - A voz do patrão, naquele seu tom roufenho e ar de padreco reformado de aldeia nortenha que tem o ministro da Educação, veio achincalhar um homem sério, um governante equilibrado dos dois ou três que o Governo tem, apupando o trabalho da comissão de inquérito ao caso TAP, presidida por Lacerda Sales, de "procuradores do cinema americano da série B da década de 80". Sales respondeu-lhe como grande senhor que é, deste modo: "Isto parece-me uma falta de respeito pelo trabalho dos senhores deputados, da comissão e do próprio Parlamento. Relembro que o Governo responde ao Parlamento. Nenhum político está isento de respeitar as instituições, por maioria de razão o Parlamento, especialmente os ministros". O outro, insignificante como é, devia ficar calado especado a olhar o deus que o criou. São parecidos. 

         - Aproveitando o ar climatizado do Continente, abanquei à entrada para duas horas no romance. Sofríveis. Tendo começado num arrasto de desespero, terminei com uma página que me parece conseguida. Se vos disser que as centenas de vultos que passaram pelos cantos dos meus olhos não vi um só, não minto. Tudo o que acontecia à minha volta, desaparecera para me concentrar no trabalho e absorvido por ele vivi num outro lugar que nenhum descobridor encontrou.

Não sei como as minhas irmãs (para utilizar a norma de S. Francisco) hortenses, aguentam assim viçosas não obstante estarem todo o dia ao sol tórrido. Mistério. 

O Black é mais esperto e escolhe os beirais das janelas, não só para se abrigar do calor, como para estar de atalaia à fiel namorada de há três anos que não larga a beauté.      


domingo, julho 09, 2023

Domingo, 9.

Apesar das manobras do presidente da Câmara do Porto para impedir a Marcha do Orgulho Gay, o facto é que esta aconteceu e contou com 20 mil a desfilar (nem todos seriam, que diabo, haverá assim tantos na cidade invicta...) com ou sem orgulho. Normalmente, neste tipo de festa, o humor ou descaramento ou  exibicionismo ou provocação costumam causar a chacota, a reprovação, o saudosismo de um tempo em que se vivia para dentro, interpares, o primeiro contacto sexual mais demorado, o conhecimento do parceiro em primeiro a tornar a relação menos perigosa, numa espécie de liturgia que remetia para o recato a relação mais profunda. Hoje todas as uniões, hetero ou homo e até essa coisa absurda do bi, começam pela cama e depois logo se vê se têm pés para andar. Esta constatação, direi que foi sempre o leit-motiv da relação homossexual, não tanto para testar o casamento e o confirmar, mas para vincular uma liberdade que não se submetia à norma estabelecida e muito menos à terrível monotonia dos casamentos ditos normais. Poder-se-ia dizer que a felicidade, a saúde, o horizonte rasgado da vivência entre dois seres do mesmo sexo, contextualizavam um modo de viver que assentava unicamente na liberdade, no prazer e na satisfação dos sentidos. Por ser proibida no antigo regime, tornava-se mais rara, mais saborosa, mais intensa porque ia contra a corrente moral e bons costumes. E para muitos mais perigosa, com a introdução daquele golpe de medo, de coisa obscena, que as latrinas públicas do Estado Novo sem ser esse o seu desejo ajudavam os frequentadores acrescentando o frisson que dilatava a libido, os desejos e os fazia entrar num delírio de espasmos ininterruptos. Nem todos perseguiam a beleza de um corpo na flor da vida. Muitos, sobretudo os casados, irrompiam por esses lugares como doidos, espavorecidos da mulher que ficara em casa enquanto o marido “tardava porque tinha de acabar um trabalho na empresa”. Toda esta fauna de seres vivos, perdidos num país desigual, que tratava os homos importantes de uma maneira e os outros que terminavam nos calabouços apanhados nas célebres rusgas nocturnas. Quantas vezes, sendo enviado pelo jornal para narrar “os ocorridos”, me vi face a face com adolescentes de uma beleza selvagem, aterrorizados e homens casados, apavorados. E quantas vezes, alguns desses jovens escapavam da esquadra porque faziam o jeito a um ou outro guarda que disfarçava na dureza das ordens e na importância da farda, o vulcão de insatisfações e frustrações que desaguavam num momento fugaz no corpo do detido. Eu conheci um ou outro fardado, porque os rapazes mo apontavam. Ao olhá-los, identificava facilmente pelo comportamento assertivo e mandão, a retaguarda onde pululava qualquer coisa bizarra, não identificada de imediato, mas onde sub-rogava um olhar, um desassossego, uma avidez que trocava as voltas à autoridade moral e aos bons costumes que juraram manter. Excedi-me. Reparo agora que aquilo que aqui queria deixar, era a salutar frase de Filipe Gaspar da Comissão Organizadora do tal orgulho gay, que me arrancou uma saudável gargalhada e dura desde as nove da manhã até agora 15 horas e quarenta e dois minutos: “Vamos passar em silêncio junto ao hospital por respeito às pessoas que lá estão. Não somos bichos, somos bichas.”   


sábado, julho 08, 2023

Sábado, 8.

Ai este pobre país tão mal governado por gente incompetente, autênticas crianças a quem deram o brinquedo que toda a vida haviam sonhado possuir! Preparem-se os alunos e o ministro da Educação que ao longo de um ano não teve talento, nem percepção para acabar com as greves que arruinaram todo o ensino, meses a fio, reuniões sobre reuniões, e já se preparam para recomeçar logo que depois das férias reabrir novo ciclo escolar. Já está marcada para 6 de Outubro a primeira greve das muitas que irão inundar 2024. 

         - Para mim não foi novidade nenhuma a conclusão do relatório da comissão parlamentar do inquérito à TAP. Só me admiro é que um homem como António Barreto se tenha surpreendido. E ainda bem. Porque de contrário não teria observado, como faz hoje na sua coluna no Público e merece que transcreva para aqui algumas das suas lúcidas análises. Esta: “Chega ao fim uma das mais infames operações que a democracia portuguesa proporcionou. Ou patrocinou. A comissão parlamentar de inquérito foi autora de gesto inédito ao transformar em herói o autor do mais flagrante abuso de poder que se conhece na história recente. O ministro que decidiu, individualmente, onde ficaria o futuro aeroporto de Lisboa foi condenado e censurado, demitiu-se, foi perdoado e readmitido, para voltar a ser demitido por se ter envolvido em nova aventura inconsequente.” Mais esta: “Confirma-se que a função de deputado é a de votar o que o seu grupo entende. E este aprovar o que pretende o partido. E este último o que deseja o Governo. É uma regra de três simples.” E no remate: “Se os direitos e deveres do deputado, perante o seu eleitorado, são os que hoje existem, é indiferente haver maioria de um ou de dois partidos. Só a liberdade dos deputados faria a diferença.” 

         - Continuemos com a anedota em que se transformou o nosso pobre país. Se não estou enganado, devem ser já uns 13 ou 14 os homens escolhidos por António Costa para o seu Governo, a demitirem-se do cargo por falcatruas, corrupção, arbitrariedades e conluios. Aqui vai mais um: Marco Capitão Ferreira, secretário de Estado da Defesa constituído arguido por suspeitas de corrupção e participação económica em negócio. A competência de sua excelência é tal, que ganhou em cinco dias 61 mil euros na execução de uma tarefa de consultoria cuja duração prevista era de 60 dias!!! O mínimo que se pode dizer, é que a Defesa é forreta. Para alguém tão trabalhador e ainda por cima despachado, o dobro era mais sensato.  

         - Terminemos com uma nota de humor. Admiro aquela ministra moderníssima, que enfrenta os descontentes com um decote arrojado, onde assoma o deslumbre de um par de mamas ministeriáveis, não compatíveis com o programa por ela defendido e todo o mundo contesta, particularmente os jovens, feministas ou machões, que dormem ao relento. Se a moda pega, ainda iremos ver os políticos, elas em biquíni, eles de tanga arrojada, em busca do eleitor de olhos esbugalhados e a pensar qual delas ou deles terá a sua bênção na forma de voto à boca das urnas. Como a imagem é mais forte que todas as palavras por eles apregoadas, é certo e sabido que sairá favorecido aquela ou aquele que desinquietou os apetites sensuais dos moribundos em queda de abandono dos prazeres entre lençóis. O volume das formas, as ondulações físicas, o tom da voz, os mais viris trejeitos no palanque, têm superlativa importância no acordar dos instintos adormecidos...   


sexta-feira, julho 07, 2023

 Sexta, 7.

A primeira oração da manhã foi para a minha saudosa irmã. Se fosse viva faria hoje 89 anos. Deixou-nos há dois, mas a sua presença continua a ser-me indispensável. 

         - Como a obra de Julien Green. Terminei a releitura das 1021 páginas do seu Toute Ma Vie (vol. 3) que tinha iniciado em Janeiro deste ano. Não levei a leitura como tarefa diária, deixei-me arrastar por ela ao sabor das horas, da vontade, da necessidade, da companhia que não se dispensa nunca. Desta passagem aconteceram mais anotações, sublinhados e uma mais profunda compreensão do autor, de uma época, de cultura tout court

         - “Ainda não sei qual é que é o relatório final” – português corrente de político, no caso da “doutora” relatora da conclusão do trabalho da TAP na Assembleia. Que saudades do excelente português de Jerónimo de Sousa, operário metalúrgico! 

         - Outro dia fui almoçar a casa da Maria José. Ela quis retribuir-me a raclette que ofereci aqui em casa a alguns amigos, entre os quais ela. A conversa estendeu-se e os assuntos atropelaram-se. A dada altura voltei a falar-lhe da ganância do meu vizinho e o resultado de não ter um único bago este ano. “Eu sou católica e acredito que Deus dá em troca da avareza o oposto do que se espera.” 

         - A propósito. Alguns amigos mais frequentes, admiram o teto da cozinha com acenos positivos de cabeça. Contei-lhes que o facto de ter desaparecido o perigo de as placas isolantes lhes caírem em cima, foi obra do meu amigo Robert Mardon. Com efeito, nos poucos dias que a Annie e ele aqui passaram, em Maio, o marido meteu mãos à obra e numa manhã fixou todas as placas aos barrotes, desaparecendo assim a iminência de um desastre que há muito me assustava. O John emprestou o escadote que tocava o telhado e prestou-se também a ajudar. Agora, todas as manhãs ao pequeno-almoço, olho a divisão como a olhei quando há trinta e tal anos, o João e eu, mais ele que eu, acabámos de a pintar e fizemos a primeira refeição no seu interior. Chovia se Deus a dava. Estávamos a 9 de Setembro, dia do meu aniversário. A casa era e foi durante vinte anos duas divisões, sem electricidade (ainda guardo os dois petromaxes), onde eu chegava todos os sábados de manhã, ébrio de deslumbramento.  


quinta-feira, julho 06, 2023

Quinta, 6.

Mais uma acha para a fogueira deste governo miserável. Diz o Público assim que abri o computador e logo entraram as desgraças do dia: três anos após a morte do infeliz Ihor Homeniuk, assassinado no aeroporto de Lisboa por agentes criminosos, nada ou quase nada mudou do muito que o governo anunciou. Por exemplo, o Mecanismo Nacional de Prevenção, ligado à Provedora de Justiça, viu que não há “botões de pânico” e videovigilância em todas as salas de entrevista do espaço em Lisboa, como foi decidido após a morte do imigrante. Quantos mais terão de morrer para que o executivo (ainda por cima dito socialista, é bom lembrar) proceda em conformidade com quem escolhe acoitar-se entre nós?  

         - Embora tivesse engolido um Valdispert antes de me atirar a três horas no romance e depois das regas e pequeno-almoço, o facto é que saí esgotado e alterado das duas páginas (um record) cheias que consegui. Satisfeito, rapaz? Não. Vou ter de dar tempo ao tempo e voltar a lê-las com a acuidade de um revisor conhecedor da língua e da técnica romanesca. Não gosto que as palavras galopem sobre a folha do computador, prefiro ser controlado por elas. 

         - Para aliviar a tensão, fui fazer natação. A piscina só para mim excedi-me e fiquei uma hora quase sem parar. Voltei breve para casa, porque tinha para o resto da tarde o Sr. Correia a gradar a quinta. Agora, 17,50, olho através da janela o vasto campo que parece ter duplicado de área – um susto quando um hectare já me parece excessivo. 

         - Li não sei onde que o ano passado o montante que o Estado nos cobrou de impostos, foi de 100 mil milhões de euros! Assim se percebe a razão de o país ter estagnado e a classe política ter crescido de importância, status e corrupção. Os escravos cá estão para a alimentar. 


quarta-feira, julho 05, 2023

 

Quarta, 5.

Ontem passou-se algo de estranho enquanto esperava para ser atendido pelo Dr. Cambeta. Aguardava na vasta entrada do edifício que me chamassem e, como não posso estar sem fazer nada ou dependente apenas daquela inutilidade de tempo que os consultórios médicos em Portugal enchem com a estuporada de programas da manhã nas televisões, mergulhei no livro de Henry de Montherlant. Viajava com o escritor por Monserrate, quando ouvi distintamente uma voz que chamava por mim: “Helder”. Vinha o apelo de muito longe, de um lugar sereno, parecendo empurrado pelo vento, pois era nítido para mim que não surgia hirto, nu, límpido, mas aconchegante como se o tom me fosse familiar e não oferecesse perigo algum. Entre duas batidas do coração e o mergulho nas páginas do célebre autor, aconteceu um hiato indescritível, espécie de suspensão do tempo, ali traduzido pela irrupção da felicidade mais cristalina que me envolveu na serenidade confortante da meninice. Prossegui na leitura, mas a realidade que nela se me oferecia, no espaço de um minuto, alterara-se – estava em Monserrate, mas de saída para um mundo outro sem paralelo com as duas realidades: a real e a passada. Ao fim de alguns minutos, escuto outra voz que me pareceu estar próxima de mim: “Sr. Helder de Sousa”. Olhei como quem chega de algum lado e se surpreende por encontrar alguém que o espera com o seu nome escrito numa folha de papel – era a assistente do Dr. Cambeta. 

         - Ao arrumar uns livros na biblioteca de cima, dei-me conta que já li as Memórias de Adriano três vezes: a primeira em português, as outras em francês. 

         - No noticiário da France 2, imagens époustouflants de Montargis depois da passagem dos vândalos. Quanto vai custar a reconstrução de tudo o que foi destruído pelos delinquentes adolescentes e outros no fim-de-semana em França? 

         - Como se esperava o relatório das carambolas da TAP feito pelos socialistas no Parlamento, resultou na conclusão habitual: a montanha pariu um rato. Ainda a Assembleia da República. Aquela entrada triunfal de um tal Pedro Nuno Santos no hemiciclo, candidato a ditador, com exercício do poder já registado, onde só faltou a banda da GNR e o Quim Barreiros, foi um triste espectáculo à moda portuguesa que mostra como se enobrece a política. A impressão com que fico sempre que vejo as sessões diárias, é a de um aluvião de gralhas assanhadas de ódios. 

segunda-feira, julho 03, 2023

Segunda, 3.

O artigo de Fr. Domingues no Público de ontem, vem impregnado da ideia forasteira do passado, quando uns quantos ditos de esquerda, se juntavam nas homílias da capela do Rato. No escrito lá vem mais uma vez a ideia de que tudo é política e que a religião não escapa a esse epíteto tão querido dos que combateram o regime de Salazar e Caetano e ainda bem, mas que daí não arredam pé nem tomam as distâncias necessárias para olharem o presente. Todavia, não posso deixar passar em branco o que há nele de substancial e próximo da doutrina de Jesus Cristo: “Quem gasta a sua vida a responder ao grito dos pobres, dos doentes, dos abandonados não perde nada. Descobre que a alma da vida é a alegria de servir.”Já agora, Fr. Bento, eu acrescentaria e a obrigação do católico de servir. E se me permite, digo-lhe o que Lenine disse: “Se queres dominar a religião, introduz nela a política.”Talvez não sejam estas as palavras, mas o sentido é este.  

         - Já que falamos de religião. Domingo fui assistir à missa das nove horas na bonita capeta do Senhor do Bomfim, em Setúbal. Um pouco antes do início da cerimónia, entram dois rapazes, ajoelham-se, persignam-se, curvam-se e ao fazê-lo compenetram-se pondo as mãos na cabeça e assim ficam uns cinco minutos. Entretanto, o ofício começa. Então sentam-se, levam à boca uma pastilha elástica, mastigam-na enquanto respondem aos apelos que chegam aos smartphones. A meio da homília, levantam-se e saem. Sem comentários.  

         - A desordem não desarma em França. É para mim evidente que os franceses detestam Macron, votaram nele porque não tinham alternativa, e o seu reinado em consequência tem sido muito atribulado. Mas também a sua forma de governar, majestática, para os ricos, com aquele grau de obscenidade que adquiriu quando fora banqueiro, mais interessado em deixar nome nas instituições europeias e mundiais, que na governação interna que reduza as diferenças raciais e económicas. 

Dito isto, conheço um pouco a França e os franceses para ter uma apreciação aproximada da realidade. Povo ingovernável, com laivos gritantes de racismo no quotidiano, selvagem de conduta, egoísta e convencido que ainda é top da civilização europeia, esquecendo-se do muito que perdeu ao longo dos anos precisamente porque se fechou na soberba da sua antiga riqueza e perdida a áurea cultural e espiritual que o distinguiu no século XIX. Por isso, não consigo perceber porque na sua fúria contra a governação de Chou Chou, incendeia automóveis dos particulares (por noite foram 1800 viaturas), ataca e põe fogo à residência privada de um autarca com dois filhos lá dentro, ateia fogo a centros comerciais e edifícios públicos, pilha por todo o lado, atira foguetes contra os agentes da autoridade (em número de 45 mil nas ruas), num vandalismo de que não há memória. Como aqui digo muitas vezes, gosto da revolta contra a política de clã mafioso, levada a cabo por quase todos os países da zona euro; detesto o fanfarronismo dos eurodeputados, pagos a peso de ouro com os nossos impostos; a imensa corrupção que campeia por todo o lado; a infeliz política exercida pela UE, distante dos povos que a integram, como se fossem reis de um enorme reino de sombras e escravos à sua ordem. Aprecio os inconformados, os que não alinham no padrão geral dos analfabetos, conformes com aquilo que lhes dizem, sem um momento de reflexão, aceitando as ideias e as condutas dos iluminados que em primeiro se banham da luz imprecisa da ignorância e vivem nos castelos nublosos dos seus esquemas criminosos. Devemos descer à rua para lutar pela verdade, impedir políticas de bandos marginais que nos governam, vindos dos partidos hoje transformados em catedrais de conluio, escolas de interesses corporativos e até pessoais, à revelia da nação onde reside um povo trabalhador que mal ganha para comer e vive esfarrapado de tristeza e indignidade.  Há tantas formas de calar a boca fedorenta de onde brota o discurso enviesado, mentiroso, cozinhado nos gabinetes com os que não foram eleitos, mas detêm a riqueza que pertence aos que trabalham, num jogo claro-escuro onde se perde a inocência e se conquista a arrogância, o despotismo, a falsa ideologia. Desçamos, pois, à rua. Bloquemos a vida que triunfa da pobreza, gritemos contra os que nos oprimem, nos mentem, nos empurram todos os dias para a pobreza e a marginalidade de nós próprios. Façamos com que os bancos não abram, as estradas sejam bloqueadas, as ruas inundadas de indignados, a vida económica fique paralisada; mas façamos tudo isto porque temos a força do nosso lado e não esperemos que seja nas urnas que as coisas mudem, porque os prepotentes sabem como convencer os incautos, os temerosos, os que porfiam a verdade à boca das urnas.  

         - Espero não me desiludir com o ministro da Administração Interna, senhor José Luís Carneiro. Quando o Partido Socialista agendou a discussão de um projecto de lei sobre a descriminalização das drogas sintéticas no Parlamento para amanhã, ele avisou que é preciso ponderar muito bem o assunto. Que diferença relativamente aos seus pares! Não tarda é posto na rua. 

         - Os jornais e televisões, anunciam que a inflação recua para 3/4%, abaixo da média da UE. Não acreditem, é tudo mentira. E nós sabemos que assim é, porque temos a nossa própria régua de cálculo quando vamos aos supermercados.  

         - Alguém que foi pobre, facilmente se transforma num capitalista furibundo. Exemplos não faltam. Aquele infeliz futebolista é um deles.      


sábado, julho 01, 2023

Sábado, 1 de Julho.

Os tumultos invadiram toda a França. Não só o centro de Paris, mas muitas outras cidades. Para cima de 200 edifícios públicos foram atacados, carros carbonizados, centenas de detenções, incêndios por todo o lado, prédios reduzidos a cinzas, roubos em lojas e centros comerciais, e até o meu conhecido hospital de Saint Denis foi assaltado. No final (se há final) duzentos agentes feridos. Visivelmente os franceses passaram-se. Haverá muitas razões para isso e é aos políticos que devemos assacar as culpas. À parte o voto, o cidadão que se lixe. 

         - Lá como cá. Só que aqui os governantes sabem que podem contar com um povo humilde, “sereno”, cordato, que se lamenta mas o seu lamento é um murmúrio para dentro, secreto, descrente, conformado com os jogos do poder, as mentiras, as leis transitórias que não são para cumprir, o poder dos bancos e grandes empresas, dos sindicatos e partidos, a tomar as rédeas da vida trazendo por arrasto os patetas dirigentes da nação, a Justiça sem leis, a administração pública salazarenta.  

         - Duas importantes provas do que acabo de afirmar:

Primeira, o governo anunciou a descida da energia, mas (com António Costa há sempre um mas, um qualquer imbróglio) a factura eléctrica vai aumentar. 

Segunda, o supranormal e secreto Medina, anunciou o aumento intercalar das pensões a partir deste mês, mas a actualização do subsídio de férias só no final do ano. Mais: diz sua excelência do alto da sua imensa competência que os salários líquidos aumentam, mas devido ao novo modelo de retenção do IRS, isto é, do nosso salário ou reforma suado. 

         - Mas demos a palavra a António Barreto para que não se diga que eu embirro com o primeiro-ministro. “A Justiça devia servir o povo, despreza-o e maltrata-o.” Quanto aos serviços públicos: “A sua reduzida qualidade e desigualdade que provocam. Dos serviços públicos primordiais, em primeiro lugar. Saúde, educação e segurança social. Encontram-se aqui os principais empregadores do país, a ponto que se pergunta se o seu fim é mais o emprego e menos o serviço. São os maiores consumidores de orçamento público.” “O “maior orgulho da democracia” o Serviço Nacional de Saúde, está a transformar-se no maior falhanço da democracia.” (Que saudades de socialistas íntegros como António Arnaut que deve ter já dado várias voltas no túmulo!) 

(toque com o rato)

         - Ontem, tendo ido ao Chiado, entrei na antiga Sá da Costa hoje transformada em ossário de livros e autores. Ao fundo, detectei várias estantes com livros franceses e, surpresa das surpresas!, encontrei L´Education Sentimentale de Flaubert. Adquiri. Embora o que buscasse fosse Summing Up de Somerset Maugham. Bom. Livro curioso, porque não é propriamente o texto na forma romanesca, mas um estudo sobre a arte de escrever o romance e, no caso particular, de Gustav Flaubert. Este livro levou a ser escrito de Março de 1862 a Agosto de 1864. O árduo trabalho da sua criação, está patente nestas duas páginas manuscritas. Hoje o leitor não dá por isso, porque o computador tudo  anula e recompõe num minuto. Também porque os romances dos nossos dias, não carregam o esforço, os longos dias e meses e anos de gestação, a construção das personagens, o seu intrínseco que sacode as consciências e as alerta para a realidade eterna do ser humano. Contam historiazinhas e está tudo dito, perdão, contado. 

         - Eu devia deixar a escrita para me dedicar às compotas. Esta tarde foi isso que fiz, e parece-me que me saí bem. A ameixa preta é plena de pectina e por isso o ponto de textura é importante. Quanto venderia um fraco? Dez, quinze euros? Tenho o armário chinês com duas prateleiras cheio. Tornei-me com o tempo um especialista.