quarta-feira, julho 19, 2023

Quarta, 19.

Adão e Silva: “A preocupação essencial das pessoas são as suas condições de vida.” Por aqui se vê que sua excelência nada sabe do essencial da vida, senão a obrigação de dizer ámen ao seu dono. Pobre homem devorado pela ambição. E diz o pregador da SIC que se trata de alguém “muito inteligente”. Bof.

         - Por toda a Europa os povos sofrem com a canícula. Na Índia das monções e em algumas zonas dos EUA, são as chuvas diluvianas. Nós por cá parece que estamos protegidos pelo anticiclone dos Açores habitualmente hostil. De quem é a culpa deste tormento? É sempre do mesmo: as alterações climáticas.

         - Qualquer romancista sabe uma vez encontrada a ideia (que alguns chamam criação) tudo resto é trabalho e trabalho duro. Foi o que se passou esta manhã. Tinha escolhido sentar-me no Alegro logo à abertura, pelas oito, em Setúbal, onde o ar condicionado costuma funcionar, mas não só este não estava ligado, como a labuta com Ana Boavida foi medonha. A tal ponto que, ao fim de hora e meia, estava exausto, a tensão lá em cima, o corpo lasso de tanto labutar com as palavras, feitas e refeitas, uma dúzia de vezes. Desisti. Como aquelas donas tontas que não têm nada para fazer se não derreter o dinheiro dos maridos (suponho que hoje só as dos jogadores de futebol), entrei no supermercado e recolhi o necessário para esta e a próxima semana.  Depois do almoço, dormi uma curta sesta. De seguida, comecei a preparar um punhado de livros que deviam subir à biblioteca de cima. Mas esbarrei na correspondência de Marguerite Yourcenar, D´Hadrien à Zénon (1951-1956) e fui relendo notas, sublinhados durante uma boa hora (li as 620 páginas em 2004). Que mundo fabuloso e culto o desta mulher! Que luta com editores que a enganavam, não lhe pagavam, eram desonestos! Que universo de saber que a levava ao pormenor, ao ínfimo detalhe que a aproximasse da nitidez, da verdade, da perfeição! Depois dei comigo a pensar que sem tempo, essa misteriosa personagem, a cultura não pode florescer. Ele e o silêncio seu irmão prendem aquele que se isola para se instruir, para trabalhar, qual eremita que encontra na oração a ligação ao divino. Talvez seja por isso que eu costumo dizer que a escrita é sagrada e vejo com maus olhos o dandismo dos escritores dos nossos dias, sem ideias, sem arte, sem vivência, sem qualquer sentido profundo que escrever exige. Alguns fixam-se um tomo por ano e depois lamentam-se que ninguém queira perder o seu precioso tempo a ler história de lana-caprina.