quarta-feira, julho 12, 2023

Quarta, 12.

Ontem carreguei Ana Boavida às costas e fui sentar-me na Fnac onde habitualmente o sossego é grande. Desta vez porém, havia uma sessão fotográfica e aquele desassossego era incompatível com o silêncio que madame pedia. Carreguei-a de novo e fui sentar-me no Vitta Roma à sombra do ar condicionado e aí avancei no romance. Isto está a tornar-se uma obsessão o encontro diário com um mundo que me aparta deste onde, para ser sincero, não encontro nenhuma energia nem criatividade. Prefiro o mundo da fantasia, mais real que este outro onde estamos todos a navegar à vista do desastre total. 

         - Por esta ninguém ou quase esperava. Quem me dá a notícia é o Público quando abro o computador. A PJ faz buscas a casa de Rui Rio e às sedes do PSD em Lisboa e Porto. Por que razão? Pagamentos a funcionários do partido com recurso a verbas da Assembleia da República! Não é nova tal falcatrua. Lembro-me de Le Pen fazer o mesmo com dinheiro do Parlamento europeu. Este pobre país merecia melhor classe política, mas pelos vistos bem pode esperar... no sepulto. A seguir com atenção.  

         - Ufana-se a Igreja, os ilustres panfleteiros da política, a hotelaria, a restauração, o  comércio, a indústria, os serviços, os privados com quartinhos preparados à pressa, o PIB de António Costa, as promoções canónicas, as juntas de freguesia, as televisões, os jornais, o autarca de Lisboa que tomou o acontecimento como trampolim a Presidente da República ou primeiro-ministro, todos impacientes por ver chegar um milhão de peregrinos no encalço de um pobre homem de branco, o mais humilde de todos os papas, que, como S. Francisco, elegeu a pobreza e a austeridade enquanto forma de vida. O que o Papa vem fazer a Portugal, é simplesmente pregar a pobreza e a solidariedade entre os povos, falar de Jesus Cristo, incentivar os jovens a serem solidários e sadios. É pouco e é muito. Para tal servia uma simples mesa para a missa enquanto símbolo de perenidade e sequência de vida, sacrifício de Jesus na cruz e Sua Ressurreição, bênção do pão e o vinho, em antecipação da Sua morte e, simultaneamente, continuação da Sua Palavra e passagem do Filho de Deus por este mundo, despedida dos apóstolos naquela última e impressionante ceia, quando lhes diz tomando o pão: “Tomei todos e comei, este é o meu corpo.” Depois o cálice: “bebei todos este é o meu sangue, o sangue da eterna aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim.”  No fim são estas divinas e para mim emotivas palavras que o Papa Francisco vem repetir e são o estigma da passagem de Jesus por este mundo e, simultaneamente, a promessa deixada da vida eterna. O que me pergunto, é que tem este alvoroço mercantil a ver com o Santo Sacrifício da Missa, ponto principal de união com todos os que seguem o Papa? O eufórico e interesseiro presidente de Lisboa, até já fez as contas e diz que cada visitante vai deixar 600 euros e isso multiplicado por um milhão dá 600 milhões. Contas de merceeiro, de vendilhão do templo, a quem eu não comprarei uma simples Ave Maria. 

         - Escrevo estas linhas no C.I. Cheguei cedo a Lisboa ao aceno do Dr. Cambeta para estar no seu consultório e reservar o dia para a colocação da prótese definitiva (a inferior). Ele atendeu ao meu desagrado com a actual que me serve há seis meses, feita de dentes de rato, pequeninos e todos bem alinhados, como se a Natureza fosse perfeita e todos nós seus vassalos devêssemos corrigi-la. Como não posso comer, vim até aqui engolir uma sopa e sobremesa de gelatina. O interior é fresco e estou próximo do consultório, por isso aqui me quedarei até à meia tarde. Trabalho neste registo e como trouxe o croché de madame Boavida, aproveitarei todos os minutos. A propósito. O Dr. Cambeta é leitor deste diário e disse-me que eu não poupo ninguém. Contou-me que a filha mais velha milita no PSD e trabalha numa junta de freguesia de Lisboa. Há tempos esteve doente e foi parar ao hospital. Na sua ausência os camaradas falsificaram-lhe a assinatura em documentos decisivos para os cidadãos. Portugal é também isto. A corja de gente reles que abraçou a política com a canga de interesses de muita ordem, todos nos antípodas sociais e democráticos.