sábado, julho 01, 2023

Sábado, 1 de Julho.

Os tumultos invadiram toda a França. Não só o centro de Paris, mas muitas outras cidades. Para cima de 200 edifícios públicos foram atacados, carros carbonizados, centenas de detenções, incêndios por todo o lado, prédios reduzidos a cinzas, roubos em lojas e centros comerciais, e até o meu conhecido hospital de Saint Denis foi assaltado. No final (se há final) duzentos agentes feridos. Visivelmente os franceses passaram-se. Haverá muitas razões para isso e é aos políticos que devemos assacar as culpas. À parte o voto, o cidadão que se lixe. 

         - Lá como cá. Só que aqui os governantes sabem que podem contar com um povo humilde, “sereno”, cordato, que se lamenta mas o seu lamento é um murmúrio para dentro, secreto, descrente, conformado com os jogos do poder, as mentiras, as leis transitórias que não são para cumprir, o poder dos bancos e grandes empresas, dos sindicatos e partidos, a tomar as rédeas da vida trazendo por arrasto os patetas dirigentes da nação, a Justiça sem leis, a administração pública salazarenta.  

         - Duas importantes provas do que acabo de afirmar:

Primeira, o governo anunciou a descida da energia, mas (com António Costa há sempre um mas, um qualquer imbróglio) a factura eléctrica vai aumentar. 

Segunda, o supranormal e secreto Medina, anunciou o aumento intercalar das pensões a partir deste mês, mas a actualização do subsídio de férias só no final do ano. Mais: diz sua excelência do alto da sua imensa competência que os salários líquidos aumentam, mas devido ao novo modelo de retenção do IRS, isto é, do nosso salário ou reforma suado. 

         - Mas demos a palavra a António Barreto para que não se diga que eu embirro com o primeiro-ministro. “A Justiça devia servir o povo, despreza-o e maltrata-o.” Quanto aos serviços públicos: “A sua reduzida qualidade e desigualdade que provocam. Dos serviços públicos primordiais, em primeiro lugar. Saúde, educação e segurança social. Encontram-se aqui os principais empregadores do país, a ponto que se pergunta se o seu fim é mais o emprego e menos o serviço. São os maiores consumidores de orçamento público.” “O “maior orgulho da democracia” o Serviço Nacional de Saúde, está a transformar-se no maior falhanço da democracia.” (Que saudades de socialistas íntegros como António Arnaut que deve ter já dado várias voltas no túmulo!) 

(toque com o rato)

         - Ontem, tendo ido ao Chiado, entrei na antiga Sá da Costa hoje transformada em ossário de livros e autores. Ao fundo, detectei várias estantes com livros franceses e, surpresa das surpresas!, encontrei L´Education Sentimentale de Flaubert. Adquiri. Embora o que buscasse fosse Summing Up de Somerset Maugham. Bom. Livro curioso, porque não é propriamente o texto na forma romanesca, mas um estudo sobre a arte de escrever o romance e, no caso particular, de Gustav Flaubert. Este livro levou a ser escrito de Março de 1862 a Agosto de 1864. O árduo trabalho da sua criação, está patente nestas duas páginas manuscritas. Hoje o leitor não dá por isso, porque o computador tudo  anula e recompõe num minuto. Também porque os romances dos nossos dias, não carregam o esforço, os longos dias e meses e anos de gestação, a construção das personagens, o seu intrínseco que sacode as consciências e as alerta para a realidade eterna do ser humano. Contam historiazinhas e está tudo dito, perdão, contado. 

         - Eu devia deixar a escrita para me dedicar às compotas. Esta tarde foi isso que fiz, e parece-me que me saí bem. A ameixa preta é plena de pectina e por isso o ponto de textura é importante. Quanto venderia um fraco? Dez, quinze euros? Tenho o armário chinês com duas prateleiras cheio. Tornei-me com o tempo um especialista.