Sábado,
31.
No
comboio que me trouxe de regresso ao meu presbitério, à minha volta, apenas um
rapaz fazia a diferença na formação geral dependente dos telemóveis: lia um
livro de Mia Couto.
- Este corpinho sensível e esta cabeça
sonhadora, necessita de se proteger do embate com a Primavera. Daí ter começado
hoje a tomar um multi-vitamínico. Até ao momento, é o único medicamento que
ingero. Como costuma dizer a Annie, a prova de que o teu sistema dietético
funciona, está no facto de tu teres saúde e não envelheceres... Eu normalmente
devolvo: “Tu até aos setenta anos gozavas com todos os que se constipavam,
tomavam drogas, não comiam coisas fora de prazo e agora, aos oitenta, tomas uma
caixa deles todos os dias. A mim pode-me vir a acontecer o mesmo.”
- Marco Aurélio, outro dia, levou-me a
consultar na (minha) biblioteca dos filósofos que ocupa umas dez prateleiras, uma
frase de Epitecto. Para minha grande e agradável surpresa, encontro no livro composto
por Lavius Arrien, discípulo do mestre escravo de Epafrodito, o Manual inserido num estudo de 220
páginas de Pierre Hadot. Surpresa. Verifico pela etiqueta, que o comprei chez Gilbert Joseph, no Bairro Latino,
em 28.9.2006. Ficou perdido entre as centenas de outros fraternos amigos até
hoje. Curiosamente, possuo dois outros exemplares do mesmo livro, mas em
português e na tradução e notas de Carlos de Jesus. Devo tê-lo lido, porque num
deles encontro a data de leitura: Setembro de 2016.
- Tenho o bom hábito de às vezes abrir
os Lusíadas. No tempo do liceu, sabia de cor estrofes e até Cantos (por exemplo o IV).
Ontem, folheei ao azar a recitação de Luís de Camões e tombo sobre estas versos
(Canto XI):
Est.28
Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino e
ao povo caridade,
Amam somente mandos e riqueza,
Simulando
justiça e integridade;
Da
feia tirania e de aspereza
Fazem
direito e vã severidade;
Leis em favor do Rei se
estabelecem,
As em favor do
povo só perecem.
93
E
ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição
também, que indignamente
Tomais mil
vezes, e no torpe e escuro
Vício da
tirania infame e urgente ;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro
valor não dão à gente :
Milhor é
merecê-los sem os ter ;
Que possuí-los
sem os merecer.
A quem servem hoje estes
versos, não me direis?