quarta-feira, março 28, 2018

Quarta, 28.
O Paulo Santos, generoso, levou-me e foi meu cicerone durante duas boas horas, a conhecer a Academia de Armada, junto ao Terreiro do Paço. O edifício, soberbo, de elegância e arquitctura imponente guardando, todavia, uma certa simplicidade que a pedra realça e compõe em ornatos que emolduram as empenas, é uma reconstrução executada após o terramoto de 1755. A traça original, julgo que é do séc. XVI. Foi, aliás, diz-me o Paulo, das primeiras edificações levadas a cabo por D. José devido à importância que o mar tinha (e ainda têm) para Portugal. Dentro dos seus muros espaçosos, e não obstante o ruído do Cais do Sodré, do rio e da multidão que arrasta os pés por aquelas paragens, dos carros que não param um segundo de passar, tudo ao ritmo do progresso que estupidifica as pessoas, dentro das suas divisões amplas não chega o mínimo barulho. Avançamos por corredores cheios de história, rasgados de janelas onde o Tejo entra em catadupa, bruxuleando no lençol de água, a silhueta recortada ao fundo, na outra margem que o outro disse ser o “deserto”, de um resto de vegetação entre o casario baixo. Ao centro uma larga praça de parada, com uma série de esculturas minimalistas que pretendem contar a história que há anos se faz nos gabinetes ao lado, onde está o Chefe do Estado-Maior da Armada, a escola de cadetes, altas patentes enfeitadas de galões dourados, oficiais, praças e a comitiva de criadagem contratada fora de portas. Aí, a Câmara de Lisboa, mandou construir uma piscina horrível sem gosto, de águas paradas, que no Verão deve ser nauseabunda, tão pouco (imagino) ao gosto da Marinha. Nesta ala onde estamos iluminados pelo silêncio, pela atmosfera de trabalho intelectual, pelos livros que enchem as prateleiras na Biblioteca, pelo gabinete do Comandante, um homem imponente, à paisana, que me estende a mão num cumprimento circunspecto, e durante a curta conversa não parou de olhar para o meu pulôver de pura Cachemira, e mais além o gabinete de outro oficial com apuro à moda inglesa, tudo preenchido de livros, quadros, peças ligadas à Armada, cavados sofás que nos tentam a ficar por horas hipnotizados pela atmosfera leve, redonda, macia, convidativa à leitura, ao estudo, ao dolce far niente.
         Deixei de propósito para o fim a revelação da capela de S. Roque que por si só merece a visita daqueles que não gostam de futebol e encontram na arte o húmus da sua existência. Construída em 1760 pela irmandade dos Carpinteiros Navais, a recuperação com ajuda da Santa Casa da Misericórdia, é uma maravilha. Muito pequena de área, é por assim dizer um biju de uma beleza rara. Construída em trompe l´oeil, quero dizer as paredes interiores de alto abaixo, deixando a cúpula trabalhada em estuque de uma brancura imaculada e o altar com uma magnífica pintura do retábulo do santo padroeiro com o célebre cão que o alimentou (de Pedro Mascarenhas de Carvalho? Vou ter que perguntar ao professor Carlos Soares, embora me incline para ele devido ao muito trabalho feito na igreja dos Mártires e noutras do Chiado) e os lambris das paredes forrados com azulejos contando a vida do Santo, são exemplares lindíssimos setecentistas. A graça da dissimulação que se opera com a pintura que cobre todo o interior, é por si dizer uma nota que impressiona e deixa “crescer” o altar-mor em plenitude.

         - No tempo que me resta da minha vida extramuros, vou avançando com os trabalhos aqui na quinta. Cortei o relvado na frente do salão e com a roçadora aparei junto à tijoleira e em torno da piscina. Felizmente até agora sem dor lombar alguma. Apressei-me porque nos prometem o retorno da chuva. Todavia, este mês e o próximo, vão ser de muita azáfama no campo e, como sempre, para não desanimar, digo para mim mesmo: “trabalho nunca te falta, rapaz. E ainda bem”.


         - Parece que foi encontrado nas célebres grutas de Qumrán (Cisjordânia) mais um núcleo de fragmentos do Génesis Apócrifo. Os estudiosos pensam que este primeiro rolo data do séc. I a.C. e é constituído pelos capítulos quinto ao quinze do Antigo Testamento. O manuscrito conta o que aconteceu a Noé depois do dilúvio. É apaixonante tudo isto. Aliás, foi na década de cinquenta do século passado, que foram encontrados os primeiros textos designados por Manuscritos do Mar Morto. O Novo Testamento penso que está melhor estabelecido e dizem os estudiosos que já desde o imperador Trajano (98 d. C.) estavam escritos os quatro Evangelhos.