segunda-feira, março 05, 2018

Segunda, 5.
Ontem, na missa dominical, na pequena igreja do senhor do Bonfim, encontrei, enfim, um sacerdote, como direi, fora do baralho. Figura imponente, alto, cabelo grisalho, um sorriso de cura de aldeia, olhar vivo de quem busca no interior toda a consagração da vida terrena, de palavra pausada, por vezes hesitante. A prédica, uma espécie de manta de retalhos filosóficos, que ele próprio reconhece ser o seu jeito de se exprimir, encheu-me de exultação. Até que enfim, vejo um sacerdote que não fala aos coitadinhos, aos precários de conhecimentos, aos tementes do Deus vingativo, aos pobres de espírito! A sua homília, seguindo o Evangelho do dia, abordou o tema da justiça. Ouvi-o dizer verdades como estas: “os governos que possuem grossos in-fólios para aplicar a justiça, são os mais injustos”; “o amor não se vende nem se compra”, entre outras ideias majestosas e sorrisos simpáticos que me arrancou a certeza de alcançar o Paraíso. Todo o sermão aos ziguezagues, construindo frases que deixavam o sujeito para trás, outras balbuciadas como se viessem naquele instante ao coração, sem aquele gramofone que os vigários possuem quando falam aos fiéis, mas com as ideias ajustadas no final, compreendidas e até amadas.  Por comparação com Jesus Cristo que com duas palavras deixou na Terra o Amor: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13-34). Toda a verdadeira justiça cabe inteira nestas palavras. A assembleia era, naquele dia, maioritariamente feminina. Suponho que não compreendeu a profundidade daquilo que o celebrante disse e a velha ao meu lado adormeceu. Quando acordou, no final das palavras do celebrante, fascinado com tudo quanto ouvi, perguntei-lhe como se chamava o padre. “João. É médico e um padre à antiga.” Abandonei a igreja de coração cheio, ciente de que a semana iria ser recheada da alegria da vida enquanto dádiva de Deus.

         - A editora que me acha um génio contudo pobrezinho, coitadinho, manda-me duas vezes por mês o catálogo das suas publicações (decerto para me convencer). Os génios escritores com dois mil e tal euros, não faltam por lá. Portugal ali como noutras partes, é um país de candidatos ao Nobel, que o futuro lamentará não haver reconhecido. Estive a fazer as contas. Ao todo são 37 novos títulos a 2000 euros por autor, dá a módica quantia de 74000 euros duas vezes por semana, ou seja, 148000 tacos por mês! Então não é que esta gente descobriu a mina de ouro! Tiro-lhes o chapéu. Pôr uns quantos ambiciosos, outros vaidosos, outros decerto talentosos artistas a trabalhar para eles é obra. Trabalham e ainda pagam para trabalhar!

         - Ontem veio aí o Paulo Santos. Passámos um bom bocado à conversa no salão e depois na sala de jantar para Le thé des écrivains (comprado sempre que vou a Bruxelas nas Galerias Reais de Saint-Hubert) que acompanhei com os scones que eu confeccionei e compota de figo made Quinta do Alecrim. Escutei-o dissertar sobre armamento, no caso espadas, para o novo livro que está a preparar. Tenho muita simpatia por ele, e mal balbuciei quanto estou a léguas de distância relativamente às guerras e ao material bélico, ainda que reconheça que muito dele são obras de arte e de história. Todavia, vê-lo e ouvi-lo falar tão apaixonadamente sobre material militar, fez-me pensar, de um outro ponto de vista, como é importante o trabalho a que se vem dedicando há muito tempo. Antes de sair ofereceu-me um desenho com a chancela do escultor francês Maillol com quem o pai trabalhou na feitura dos livros. É uma figura de mulher cheia de graça.

         - Nos intervalos permitidos pela chuva e apesar da dor lombar devido aos trabalhos de há duas semanas, terminei a poda das hortênsias.


         - “La perfection morale consiste en ceci: à passer chaque jour comme si c´était le dernier, à éviter l´agitation, la torpeur, la dissimulation.” Oh, querido Marco Aurélio! É seguindo os teus conselhos que me esforço por viver em conformidade com eles.