sábado, março 31, 2018

Sábado, 31.
No comboio que me trouxe de regresso ao meu presbitério, à minha volta, apenas um rapaz fazia a diferença na formação geral dependente dos telemóveis: lia um livro de Mia Couto.

         - Este corpinho sensível e esta cabeça sonhadora, necessita de se proteger do embate com a Primavera. Daí ter começado hoje a tomar um multi-vitamínico. Até ao momento, é o único medicamento que ingero. Como costuma dizer a Annie, a prova de que o teu sistema dietético funciona, está no facto de tu teres saúde e não envelheceres... Eu normalmente devolvo: “Tu até aos setenta anos gozavas com todos os que se constipavam, tomavam drogas, não comiam coisas fora de prazo e agora, aos oitenta, tomas uma caixa deles todos os dias. A mim pode-me vir a acontecer o mesmo.”

         - Marco Aurélio, outro dia, levou-me a consultar na (minha) biblioteca dos filósofos que ocupa umas dez prateleiras, uma frase de Epitecto. Para minha grande e agradável surpresa, encontro no livro composto por Lavius Arrien, discípulo do mestre escravo de Epafrodito, o Manual inserido num estudo de 220 páginas de Pierre Hadot. Surpresa. Verifico pela etiqueta, que o comprei chez Gilbert Joseph, no Bairro Latino, em 28.9.2006. Ficou perdido entre as centenas de outros fraternos amigos até hoje. Curiosamente, possuo dois outros exemplares do mesmo livro, mas em português e na tradução e notas de Carlos de Jesus. Devo tê-lo lido, porque num deles encontro a data de leitura: Setembro de 2016.

         - Tenho o bom hábito de às vezes abrir os Lusíadas. No tempo do liceu, sabia de cor estrofes e até Cantos (por exemplo o IV). Ontem, folheei ao azar a recitação de Luís de Camões e tombo sobre estas versos (Canto XI):

                                Est.28
                                Vê que aqueles que devem à pobreza
                                Amor divino e ao povo caridade,
                                Amam somente mandos e riqueza,
                                Simulando justiça e integridade;
                                Da feia tirania e de aspereza
                                Fazem direito e vã severidade;
                                Leis em favor do Rei se estabelecem,
                                As em favor do povo só perecem.

                                 93
                                 E ponde na cobiça um freio duro,
                                 E na ambição também, que indignamente
                                 Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
                                 Vício da tirania infame e urgente ;
                                 Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
                                 Verdadeiro valor não dão à gente :
                                 Milhor é merecê-los sem os ter ;
                                 Que possuí-los sem os merecer. 


A quem servem hoje estes versos, não me direis?