sexta-feira, março 23, 2018

Sexta, 23.
“Até tenho saudades do cheiro dos fogos!” – dizia um emigrante na Suíça onde a selecção de futebol chegou. Que não seja por isso. Atendendo ao Ministro da administração Interna que o partido socialista nomeou para o cargo, não vai faltar este verão a fragrância a terra queimada e então o idiota terá saudades... da Suíça.

         - Carlos a almoçar. Ágape delicioso, diante da lareira acesa, na cozinha. Muita e interessante conversa sobre Damião de Góis, Osório de Castro, Alexandre o grande. Do humanista, Carlos Soares conta-me que quando ele foi condenado pela Inquisição, apresentou uma lista pormenorizada dos seus bens: quadros, livros, mobiliário, peças em prata e ouro. Digo-lhe que todo drama de Góis foi obra de Simão Rodrigues que o denunciou à Inquisição Portuguesa. O escritor é preso em 1570, na sequência de uma série perseguições, falsos testemunhos, ligações a Erasmo e, sobretudo, a Lutero no mosteiro da Batalha. Mas Carlos, por natureza muito preciso e meticuloso em análises, interessa-se mais pela minúcia que levou o homem de Alenquer a especificar o ano da compra do quadro, o autor, o preço.


         Deixámos a cozinha para o salão. Carlos bebeu praticamente sozinho uma garrafa de Dão, delicioso, Vila Real, com três prémios, a acompanhar um peito de peru no forno com batata a murro, castanhas e chalotas, seguido de uma tábua de queijos franceses, tangerinas cá da quinta e um Nespresso, está que nem um abade, tocado pelo vinho. Não diz nem faz coisa com coisa e eu, vendo-o naquele estado, aconselho-o a dormir uma sesta enquanto eu leio 50 páginas de Matzneff. A culpa do seu estado foi minha. Ou antes do agradável convívio que se estabeleceu entre nós. Conhecendo-o como o conheço, devia ter tido mais cuidado. O homem é uma força da natureza em estado puro. Normalmente, depois do almoço, não se pode contar com ele. Nem ele sabe quem habita dentro da sua sólida e compacta carcaça.