quarta-feira, dezembro 16, 2015

Quarta, 16.
O serão de ontem, preenchi-o com o dvd Jules Roy que trouxe de Paris. Conheço uma substancial parte da obra do escritor pied-noir que desde cedo me atraiu devido à frontalidade manifesta em todos os seus livros: romances, diários, ensaios ou memórias. A grande entrevista pertence à série de programas feitos por Bernard Pivot, Apostrophes. O entrevistador, criou um modelo que assenta no envolvimento, na insinuação e numa encenação que não difere muito de programa para programa, de autor para autor. Normalmente, Pivot serve-se dos diários, das memórias e daí abre horizontes para o trabalho criativo embora seja nítido que prefere o faits divers que constitui a base de toda a conversa com o seu convidado. Traçado o percurso da infância numa Argélia pobre mas feliz, o seminário por onde passou, depois o envolvimento em torno da figura de Petain, piloto da R.A.F. em operações de bombardeamento na Segunda Guerra Mundial, de seguida na Indochina, e por fim a guerra na Argélia vai dar-lhe uma consciência moral e política que o tornará num fervoroso anticolonialista. Por via das suas origens, ligar-se-á a Albert Camus por quem tem uma admiração sem limites, não obstou porém ter acontecido entre os dois escaramuças ideológicas terríveis. O autor de A Peste foi um filósofo do desespero onde a esperança se insinuava e alguém que nunca percebeu porque razão os mais próximos se ligavam a honrarias e a riquezas. A vanidade não cabia no seu mundo e, por isso, dela fugia com audácia. Pelo contrário, o autor de Mémoires barbares procurou durante o seu longo período parisiense, a efemeridade dos encontros que podiam trazer-lhe o proveito e a fama, tais como reuniões literárias-mundanas levadas a cabo pela ricaça americana Florence Jay-Gould, a obsessão pela entrada na Academia Francesa, uma certa fanfarrice que cuidava ser apanágio do artista que cirandava por aqui por acolá, entre iguais, decepções e panegíricos à mistura, todos os que contaram num século cheio de cérebros de todos os quadrantes: Sartre, Malraux (il servait qui pouvait le servir, diz ele no livro de Memórias, pág. 591, Poche), Gallimard, Saint-Exupèry, Montherlant, Robert Kanters, Julien Green, Jouhandeau, De Gaulle, Mitterrant e passo, e passo. Até que um dia, perfeitamente por acaso, encontra Vézelay “terra de eleição” e Maria Madalena e a dois passos da catedral, uma casa com jardim que adquire sem vacilar. Estive lá há três anos e ainda não arranjei coragem para responder ao convite da direcção para nela residir por tempo criativo que me foi proposto. Homem de fé, profundamente ligado a Maria Madalena, todos os dias subia à igreja para orar ou simplesmente falar com a pecadora que Jesus Cristo mais amou. Foi lá, naquele interior sereno, convidativo à reflexão e ao silêncio, que escreveu o seu último livro: Lettre à Dieu. Um testemunho impressionante de um homem que se aproxima do fim e naufraga na dor e no espanto, entre a vida e a morte, não lhe restando fôlego senão para estas derradeiras palavras: Ayer pitié, mon Dieu, si vous existez, de ce vieil homme désemparé.

Eu tenho outro pedido a fazer a Deus: Dai-me vida bastante para que possa reler estes livros e ler centenas de outros que por aí me esperam.




         - Ontem, por mero acaso, sintonizei a TVI. Encontrei no ecrã José Sócrates e fiquei a ouvir a sua ladainha recitada em dó menor, num misto de mártir e pecador arrependido. Não era, contudo, o mesmo ar fanfarrão de então, quando se pavoneava por todo o lado de peito inchado, cheio da importância que os patetas exibem para disfarçarem o que não possuem. Desliguei o aparelho cinco minutos depois, quando comecei a sentir vómitos e a náusea tomava posse do meu cérebro que repetia e repetia: “Mas em que mundo vive este tipo?”