Terça, 15.
Klaus Mann, o filho do Thomas Mann,
infinitamente mais interessante que o burguês do pai, drogado, infeliz,
independente, talentoso, inquieto e solitário não obstante os muitos amigos que
tinha por toda essa Europa que Hitler submeteu, apresenta-se em Fuir pour vivre na pujança da revolta e
do inconformismo, ele e a irmã Erika, os dois filhos desencantados que em
primeiro recusaram o nazismo e tudo o que a ele veio associado: guerra, campos
de exterminação, liquidação dos que não se subjugaram, suspensão da liberdade,
atrofiamento do pensamento, imposição de uma filosofia do ódio, da exclusão, da
eliminação dos judeus, criação de uma raça que se pretendia perfeita e bela em
desprimor das qualidades e diferenças de cada um, todos feitos por Deus, um a
um e não em manada. Desde 1933 que ele pressentiu o desastre e logo se pôs ao
servido da inteligência e da cultura, saltando de país em país, fugindo à fúria
dos primeiros grupelhos que ombrearam com o louco Fuhrer que iria tomar o poder
por um processo ardiloso em que por vezes a democracia cai. Instalado nos EUA,
vai trabalhar sem descanso pela denúncia de um regime assassino e pela defesa
dos artistas germânicos. Fá-lo utilizando a arma da escrita e depois
incorporado no exército americano. Triste e só, frágil e solitário, lutando
contra os fantasmas que sempre o rondaram, depois de anos de desintoxicação e
sofrimento, entregando-se a amores passageiros, a noites de um vazio
insuportável, longe do solo pátrio, com muitos dos seus amigos assassinados
pelos nazis, o pai a princípio sem compreender o que para ele era óbvio, é na
escrita que se refugia, que encontra a ténue energia que lhe permitiu vencer os
anos terríveis da guerra e do obscurantismo. Julien Green que com ele se
encontrou várias vezes em Nova Iorque, não se apercebe do drama que enche o
corpo delicado de um homem alagado de problemas e inquietações existenciais. Terminada
a guerra, de retorno à Europa, uma Europa que ele tem dificuldade em
reconhecer, sombrio dos seus eternos e insuportáveis problemas pessoais, não
consegue vencer o desespero e suicida-se por overdose num quarto de hotel
modesto no sul de França, em Cannes, no dia 21 de Maio de 1949.
- A segunda volta das eleições francesas foi a prova provada de que a
democracia é hoje du n´importe quoi.
Nunca imaginei que os franceses, tendo votado maioritariamente na Frente
Nacional de Marine Le Pen, fossem vacilar na segunda volta. É certo que o
partido de direita obteve apesar dos recuos um score em crescendo, facto que devia
preocupar o PS que num golpe de rins sem precedentes obrigou os seus camaradas
a desistir em favor dos candidatos do partido de Sarkosy. Uma vergonha! Como
foi possível uma coisa destas, numa democracia cimentada há mais de um século,
num país de gente livre, que não costuma ceder ao patuá dos políticos, ainda
por cima do cariz de François Hollande! Mistério. Uns vira-casacas que vão
pagar muito caro a covardia. Mesmo assim, a FN que antes tinha 6 milhões de
simpatizantes, subiu para 6,8 no domingo, ficando com 9 mil comunas. O debate
que se impõe, faz-se afinal com recuos desta natureza. Lá como cá, os
instalados pensam que a cadeira e o poder são eternos. Mas o povo quando esclarecido,
espreita a oportunidade de impor a sua vontade. Depois chamem-lhe todos os
nomes do léxico antidemocrático habitual.