sexta-feira, abril 26, 2019

Sexta, 26.
Quando um político fala de mais eu coloco-me automaticamente na retranca. No caso do Presidente de França, ele é uma formidável máquina falante. Ouvi-o ontem e nalgumas medidas que ele pretende implementar, nós estamos mais avançados, nomeadamente, na descentralização de serviços e acesso aos mesmos mais equitativamente distribuídos, por exemplo. Ele fechou e suprimiu nos últimos anos imensos desses postos, mas agora anuncia a criação de dependências pública ditas France Publique. O homem blá-blou duas horas e meia, sem um minuto de reflexão ou hesitação, projetando propostas vagas. Muitas delas são curiosas e interessantes, resta saber como vai Chou Chou pô-las em acção. Se me convenceu? Não. Estou curioso em ver o que vão dizer nas ruas amanhã os gilets jaunes.

         - Ontem ao serão, fechado o livro que estive a ler, contrariamente ao que é habitual em mim que tenho o tempo programado, deixei-me ficar no salão a saborear o momento antes de subir para dormir. O candeeiro aceso era uma presença serena, e a divisão mergulhada na penumbra, convidava à meditação enquanto o olhar percorria o espaço familiar. A Annie que aqui esteve há duas semanas, ficou surpreendida com a désordre que encontrou, onde os livros estão em desordem por todo o lado e a multiplicidade de objectos artísticos enchem paredes e mobiliário. Esta atmosfera foi-se construindo sem que houvesse da minha parte qualquer intenção. Também nunca tive a obsessão da posse, quando muito a ideia de um ideal, de um sonho quase nunca realizado, sobre o qual a minha imaginação entrava construindo um absoluto vagabundo. Os anos interpondo-se, verifico com surpresa quanto acumulamos ao longo da nossa história, quanto de nós se imobilizou diante dos nossos olhos já alheados das circunstâncias que lhes deu vida. Vivemos rodeados de inutilidades, de algum modo de lixo, afundados num mausoléu que a morte não reconhece. Na minha morada interior, há todavia um muro a separar tudo o que me rodeia.

         - Black desapareceu. Há cinco dias que não aparece.


         - Sono agitado. Talvez devido aos cafés que ontem beberiquei por aqui e por ali: com a Maria José, os meus vizinhos que deixaram Paris definitivamente, um amigo que avistei na vila, o primeiro café aqui em casa. Não sei como pode o João dormir com vinte bicas que toma todos os dias.