Sexta, 26.
Quando
um político fala de mais eu coloco-me automaticamente na retranca. No caso do
Presidente de França, ele é uma formidável máquina falante. Ouvi-o ontem e
nalgumas medidas que ele pretende implementar, nós estamos mais avançados,
nomeadamente, na descentralização de serviços e acesso aos mesmos mais
equitativamente distribuídos, por exemplo. Ele fechou e suprimiu nos últimos
anos imensos desses postos, mas agora anuncia a criação de dependências pública
ditas France Publique. O homem blá-blou duas horas e meia, sem um minuto de
reflexão ou hesitação, projetando propostas vagas. Muitas delas são curiosas e
interessantes, resta saber como vai Chou Chou pô-las em acção. Se me convenceu?
Não. Estou curioso em ver o que vão dizer nas ruas amanhã os gilets jaunes.
- Ontem ao serão, fechado o livro que
estive a ler, contrariamente ao que é habitual em mim que tenho o tempo
programado, deixei-me ficar no salão a saborear o momento antes de subir para
dormir. O candeeiro aceso era uma presença serena, e a divisão mergulhada na
penumbra, convidava à meditação enquanto o olhar percorria o espaço familiar. A
Annie que aqui esteve há duas semanas, ficou surpreendida com a désordre que encontrou, onde os livros
estão em desordem por todo o lado e a multiplicidade de objectos artísticos
enchem paredes e mobiliário. Esta atmosfera foi-se construindo sem que houvesse
da minha parte qualquer intenção. Também nunca tive a obsessão da posse, quando
muito a ideia de um ideal, de um sonho quase nunca realizado, sobre o qual a
minha imaginação entrava construindo um absoluto vagabundo. Os anos interpondo-se,
verifico com surpresa quanto acumulamos ao longo da nossa história, quanto de
nós se imobilizou diante dos nossos olhos já alheados das circunstâncias que
lhes deu vida. Vivemos rodeados de inutilidades, de algum modo de lixo,
afundados num mausoléu que a morte não reconhece. Na minha morada interior, há todavia
um muro a separar tudo o que me rodeia.
- Black desapareceu. Há cinco dias que
não aparece.
- Sono agitado. Talvez devido aos
cafés que ontem beberiquei por aqui e por ali: com a Maria José, os meus
vizinhos que deixaram Paris definitivamente, um amigo que avistei na vila, o
primeiro café aqui em casa. Não sei como pode o João dormir com vinte bicas que
toma todos os dias.