domingo, junho 07, 2015

Domingo, 7.
Li com imenso prazer a entrevista dada ao Público de hoje por Helena e Catarina Furtado. Em certo sentido aqueles testemunhos são também os meus. Os meus e dessa plêiade de jovens talentosos e obstinados que vieram a dar à televisão, à rádio e ao jornalismo um contributo único pelo saber, a coragem, a determinação e, salvo raras excepções, o despreendimento pelo interesse pessoal, a rendição aos valores humanistas e de honra, ao dinheiro como travão à liberdade. Encontrámo-nos todos lá, nessa Rádio Universidade que nos formou como homens e como seres capazes de suportar a afronta do fascismo de então e do oportunismo de hoje que tem raízes nele. Eu tenho a mesma alegria da Catarina, o mesmo saudosismo solidário da mãe, que fui vendo ao longo dos anos primeiro quando vivia na Rua do Salitre e ela trabalhava na Alvares Cabral e mais tarde quando me deslocava ao meu médico de família e a encontrava ali pelas redondezas da instituição para crianças com dificuldades motoras e outras. Muitos de nós já desapareceram. Os que restam que Deus os conserve para que possam dar testemunho de uma época heroica, de um espaço comunitário sem obstáculos, refiro-me ao Centro Universitário, onde se aprendiam entre outras artes a nobre arte da camaradagem e da amizade.

         - Ontem calor extremo. Apesar disso apostei que ia pôr em actividade o robô automático. Em vão. Há anos que o comprei numa ida a Badajoz com os A. e desde então nunca mais trabalhou. Não creio, contudo, que esteja avariado. Acredito que foi a ignorância de um “técnico” aqui de uma loja que o avariou. Vou insistir. Porque a utilidade é muita: permite nas horas de tratamento da água, efectuar a limpeza também.

         - Sob uns 36 graus que estiveram, não deixei o exterior porque apareceu o Fortuna para “desabafar”, o Eduardo para conversar. Ambos partiram carregados de Alperces e ameixas. Nos intervalos, como é meu hábito nos fins-de-semana, cozinhei alguns pratos para arquivo e consumo durante a semana. Fiz também quatro frascos de compota que só ficou acabada à noite. Que mais? Não vou adiantar porque de contrário caio no diário de George Orwell: Ontem dois avos, hoje quatro ovos...  


         - O desconcertante Fortuna não pára. Aquela cabeça é pior que a minha, transformada num vulcão a expelir lava todo o dia e toda a noite. (Ter oitenta anos é uma devaneio que não o preocupa.) No centro só ele conta e tudo o mais à volta é coisa daninha. Depois de termos carregado os ramos das palmeiras que eu na véspera tinha devastado para dentro da velha carrinha dele a cair de podre, pusemos pés ao caminho, quero dizer, demos corda às rodas. Metade dos compridos ramos iam de fora, arrastando pelos caminhos de terra batida e o final do percurso na estrada alcatroada que nos leva ao seu atelier. Fomos, por assim dizer, por caminhos de fugir à polícia por onde eu nunca havia passado e foram para mim uma agradável surpresa. Entre a Lagoinha e a saída do centro de Palmela, na encosta da serra, estendem-se belos solos ao abandono, quintas escondidas que são verdadeiros oásis, e passam despercebidas no vale cavado e desimpedido de florestação.  Dir-se-ia que se escondem dos olhares gananciosos dos exploradores do imobiliário. Ensanduichado entre a estrada ruidosa lá no alto e a pequena povoação que foi crescendo em torno do primeiro restaurante aberto aqui, o espaço amplo a perder de vista, é um deserto de oliveiras e perfumes aromáticos de endoidecer os sentidos.