Domingo, 7.
Li com imenso prazer a entrevista dada ao
Público de hoje por Helena e Catarina Furtado. Em certo sentido aqueles
testemunhos são também os meus. Os meus e dessa plêiade de jovens talentosos e
obstinados que vieram a dar à televisão, à rádio e ao jornalismo um contributo
único pelo saber, a coragem, a determinação e, salvo raras excepções, o despreendimento
pelo interesse pessoal, a rendição aos valores humanistas e de honra, ao dinheiro
como travão à liberdade. Encontrámo-nos todos lá, nessa Rádio Universidade que
nos formou como homens e como seres capazes de suportar a afronta do fascismo
de então e do oportunismo de hoje que tem raízes nele. Eu tenho a mesma alegria
da Catarina, o mesmo saudosismo solidário da mãe, que fui vendo ao longo dos
anos primeiro quando vivia na Rua do Salitre e ela trabalhava na Alvares Cabral
e mais tarde quando me deslocava ao meu médico de família e a encontrava ali
pelas redondezas da instituição para crianças com dificuldades motoras e
outras. Muitos de nós já desapareceram. Os que restam que Deus os conserve para
que possam dar testemunho de uma época heroica, de um espaço comunitário sem
obstáculos, refiro-me ao Centro Universitário, onde se aprendiam entre outras
artes a nobre arte da camaradagem e da amizade.
- Ontem calor extremo. Apesar disso apostei que ia pôr em actividade o
robô automático. Em vão. Há anos que o comprei numa ida a Badajoz com os A. e
desde então nunca mais trabalhou. Não creio, contudo, que esteja avariado.
Acredito que foi a ignorância de um “técnico” aqui de uma loja que o avariou. Vou
insistir. Porque a utilidade é muita: permite nas horas de tratamento da água,
efectuar a limpeza também.
- Sob uns 36 graus que estiveram, não deixei o exterior porque apareceu
o Fortuna para “desabafar”, o Eduardo para conversar. Ambos partiram carregados
de Alperces e ameixas. Nos intervalos, como é meu hábito nos fins-de-semana,
cozinhei alguns pratos para arquivo e consumo durante a semana. Fiz também quatro
frascos de compota que só ficou acabada à noite. Que mais? Não vou adiantar
porque de contrário caio no diário de George Orwell: Ontem dois avos, hoje
quatro ovos...
- O desconcertante Fortuna não pára. Aquela cabeça é pior que a minha,
transformada num vulcão a expelir lava todo o dia e toda a noite. (Ter oitenta
anos é uma devaneio que não o preocupa.) No centro só ele conta e tudo o mais à
volta é coisa daninha. Depois de termos carregado os ramos das palmeiras que eu
na véspera tinha devastado para dentro da velha carrinha dele a cair de podre,
pusemos pés ao caminho, quero dizer, demos corda às rodas. Metade dos compridos
ramos iam de fora, arrastando pelos caminhos de terra batida e o final do percurso
na estrada alcatroada que nos leva ao seu atelier. Fomos, por assim dizer, por
caminhos de fugir à polícia por onde eu nunca havia passado e foram para mim
uma agradável surpresa. Entre a Lagoinha e a saída do centro de Palmela, na
encosta da serra, estendem-se belos solos ao abandono, quintas escondidas que
são verdadeiros oásis, e passam despercebidas no vale cavado e desimpedido de
florestação. Dir-se-ia que se escondem dos olhares gananciosos dos exploradores do imobiliário. Ensanduichado entre a
estrada ruidosa lá no alto e a pequena povoação que foi crescendo em torno do
primeiro restaurante aberto aqui, o espaço amplo a perder de vista, é um
deserto de oliveiras e perfumes aromáticos de endoidecer os sentidos.