quarta-feira, setembro 13, 2023

Quarta, 13.

Outra tragédia abalou a terra: inundações diluvianas na Líbia. O número de mortos é ainda incerto, mas já estão contabilizados pelo menos 5 mil. O caos está por todo o país, pois a tempestade provocou o colapso de duas barragens, os desaparecidos são incontáveis, a cidade de Derna desapareceu, os cadáveres estão por todo o lado: debaixo dos edifícios, nas ruas, nos vales, a boiar no mar. No meio desta imagem dantesca, há políticos que actuam para conquistar o poder, dificultando os trabalhos e a ajuda indispensável. Que raça esta dos políticos! Na realidade, a Líbia pós Kadhafi, é a imagem dos EUA e da França do badameco Sarkozy.  

         - Ontem tinha consulta no Gama Pinto a seguir ao almoço. Apresentei-me cedo na Brasileira para estar com os amigos e dali almoçar ao mais conhecido restaurante do mundo – o McDonald. Como não despego de Ana Boavida, fui fazer tempo para o meu lugar secreto no Corte Inglês. Durante duas horas e meia vivi mergulhado na história desta surpreendente personagem. Quando dei por mim, enfiei-me num táxi, corri ao hospital, e quando lá cheguei a minha médica já tinha partido. Desolação. Pragas contra Ana Boavida. Remarcação para o próximo mês. Não me lembro de ter escrito um romance tão obsessivamente como este. Raramente falho as horas de trabalho diário e ando sempre com o croché debaixo do braço, ainda que muitas vezes as veja partir do ecrã do computador. 

         - Justamente. Oh, sim, fala disso. O chauffeur que me levou ao hospital dos olhos era brasileiro e, pelo que percebi, com umas courelas de seu na sua terra. A conversa prosseguiu por ruas e ruelas e a dada altura eu citei aquela frase de Lula da Silva: “Não tarda os brasileiros em Portugal são mais que os portugueses.” Resposta pronta do homem: “Pois. Fogem todos dele.” 

         - Finalmente esta manhã arranjei tempo e coragem para mudar o fio de corte à roçadora e instalar o disco. Com este, fui descobrir um vinhedo num lugar da quinta onde não tenho o hábito de ir, completamente submerso de urtigas. Grandes cachos negros tombavam das cepas e foi preciso devastar muito mato com belas pinhotas de amoras, para chegar ao tesouro escondido. Depois, aproveitando o embalo, fui cortar grossos rebentos da bela mimosa, aparei em volta das palmeiras, acertei o chão do meu paraíso futuro, à chegada a casa, sob o loureiro. De seguida, caí para o lado morto de cansaço. Duas horas tinham passado neste desassossego. Já daqui não saí, mesmo para ir ao portão recolher o correio.