terça-feira, março 09, 2021

Terça, 9.

Não há meio de me poder libertar da mediocridade dos programas televisivos nacionais. Ando em bolandas para encontrar quem me arranje a parabólica e, neste período de confinamento, não tem sido fácil. Daí que por vezes recorra à Internet. Foi o caso ontem ao serão. Encontrei a entrevista de Campos Ferreira ao Meiquinho. Estão os dois na sala da casa do segundo para os lados de Sintra, mais o lírio de quem Mec diz estar apaixonado. Que perguntas tão vácuas, Santo Deus! E que cabeça tão baralhada a de Miguel Esteves Cardoso! Meia hora escoou sob a forma de um caudal fala-barato, lançado ao tempo que tudo recolhe e selecciona. Valha-nos isso. Depois queixam-se que o povo seja ignorante – ele é a cópia dos seus mentores. 

         - Marcelo Rebelo de Sousa inicia hoje novo mandato. O seu antecessor, há dias, botou discurso. Foi como se um enorme trovão tivesse ecoado sobre o território nacional. Que horror! Fujam! As diferenças entre um e outro são abismais. Que têm a ver com as suas origens e actividades extra política. Marcelo é culto, desempoeirado, indiferente à importância do cargo; o outro é recalcado, contabilista, raivoso, carregando títulos honoríficos como os reis carregam a coroa. Um não se leva a sério a perder tempo a escrevinhar as suas memórias; o outro já vai em não sei quantos volumes de ódios e hidrofobias mal digeridas. Não sei quem lê aquelas litanias; o que sei é que elas são um atentado à nossa inteligência e à destruição de tantas árvores indispensáveis à nossa saúde mental. Neste particular, só neste, Sócrates e Cavaco, são campeões a vender papel... higiénico. 

         - Andei numa roda-viva esta manhã. Indicaram-me uma loja, em Setúbal, que poderia ter a solução para o desarranjo da parabólica. Não a encontrei e estando na cidade sadina, fui ao mercado do Livramento. À entrada havia uma senhora que media a temperatura. A minha foi de 34,5º. Disse: “Se morrer lá dentro, encomende a minha alma ao Criador rezando um padre-nosso.” Riu-se. Depois, tendo precisão de executar a receita médica, corri pelo menos cinco farmácias – todas tinham o anti-inflamatório do Tó, mas o prazo de validade era de três meses. Não fui na ganância dos laboratórios e recusei adquirir o medicamento para não ter que pôr no lixo 55 dos sessenta comprimidos da embalagem. Esta pouca vergonha, não há governo que consiga acabar com ela. A sociedade de consumo a que o PS rende loas, impera sobre o equilíbrio e a perpetuidade do planeta. Depois vêm cinicamente dizer que lutam pela nossa sobrevivência. As multinacionais fartam-se de rir às claras e nas ventas dos governantes e dos inocentes dos jovens guiados pela senhorita Greta Thunberg. Eu estou farto de dizer que é ao nível caseiro e familiar que se deve começar a olhar para o nosso mundo e fazer as economias que levem a indústria a desistir de produzir aos milhões. Deste modo, somos nós que controlamos os delírios daqueles e daquelas que nos querem obrigar a gastar o que temos e não temos. Elas, as grandes empresas, devem estar nas nossas mãos e não nós nas delas.  

         - Por todo o lado, o que vejo é que já ninguém liga ao confinamento. As pessoas pura e simplesmente de confinaram. Setúbal era uma cidade em movimento e este movimento circulava em torno dos polícias que nada podiam fazer. O dia luminoso a tanto obrigava. Ante o Sol que nos banha e connosco se identifica, é a saúde que se solta e os vírus que partem às arrecuas. Até eu pus de parte a minha vida espartana – leituras, escrita, meditação, dissecar as palavras, os sentidos – e lancei-me a cortar a relva. Foi uma hora em pleno, o joelho sem qualquer entravo porque no segundo dia da toma do anti-inflamatório já não sentia nenhuma dor, embora o senhor Baker não me tenha largado a tíbia. A parte aqui perto ficou concluída e logo o dia se abriu em gratidão. O trabalho em mim é uma bênção, um talismã que me revigora. Não sei nem compreendo porque há tantos jovens e velhos que nada fazem, quando a vida nos chama de todos os quadrantes, impondo as suas regras, os seus lenitivos que se misturam no sangue e soltam as torrentes de energia e satisfação. Apetece gritar: Hosana! Hosana! Desmorone-se o Céu, rebente a Terra inteira sobre a minha cabeça, derramem-se trovões e  saraiva e fogo e silvas de esperma, e tudo o que o mundo despreze posto que eu fiquei encandeado da beleza dos dias traçados em comunhão com todos os seres que aqui estiveram, estão e estarão sob esta luz grandiosa rasgada em jucundidade e arrebatamento...