domingo, março 28, 2021

Domingo, 28.

Aos ombros da pandemia as liberdades colectivas e individuais vão recuando a passos largos. A Covid-19 não deu só a conhecer as fragilidades e as mentiras de sistemas económicos-financeiros, mas também descobriu imensos ditadores e autocratas que, sob os regimes democráticos, já não escondem ao que vêm e mostram às claras as suas garras. Veja-se o caso da Rússia, China, Coreia do Norte, Birmânia, Bielorrússia, Turquia e passo. Mas se me detivesse nos regimes democráticos, onde o ataque às liberdades dos cidadãos se faz duma forma mais soft, encontraríamos muitos dirigentes com laivos arrogantes e acessos de autoritarismo na condução do poder e na maneira como tomam o povo por manada do seu rebanho. À custa desta desgraça que ninguém se atreve a dizer quando termina, o vão entre ricos e pobres cresceu. Os governos que deviam agradecer o esforço de empresários, médicos e enfermeiros, pessoal auxiliar nos diferentes sectores da actividade económica conquanto, contra temores e algumas mortes, tudo têm feito para não deixar cair na lama o tão apregoado progresso, em vez de lhes agradecer a generosidade, começam a rejeitá-los como peças gastas de uma engrenagem que já deu o que tinha para dar. Já está a acontecer entre nós, com um partido dito socialista acossado pela esquerda: uma marxista-leninista, outra não se sabe onde tem os pés de secia assentes. Ambos com a ambição do poder, ainda que para isso trabalhem do lado fanfarrão das falsas liberdades. A querida UE que se mistura e mexe a caldeirada em que se transformou a Europa, tem a parte umas vezes de leão, outras de cordeiro – de todo o modo não acerta uma. 

         - Faltam-me umas 150 páginas para terminar o longo Journal Intégral de Julien Green (vol. 1) com 1400. Comecei a relê-lo em Dezembro do ano passado, dez páginas de cada vez, e há pouco subi à biblioteca para trazer os volumes da Poche publicados em vida do escritor. Que diferença! Em cada um pelo menos o dobro foi ocultado em vida pelo autor. É impressionante! Eu descobri-o (já há anos aqui narrei) no início dos anos Setenta e quem mo assinalou foi o Tó Fonseca, éramos então jovenzinhos. Desde aí nunca mais o larguei e até o poderia ter conhecido pessoalmente se tivesse aceitado o convite que o Francis me fez para nos apresentar. Não quis. Embora me lembre das sábias palavras de Yourcenar quando diz que devemos tudo fazer para conhecer os autores que admiramos. Talvez eu pressentisse justamente o que hoje descubro, vinte e três anos após a sua morte, e passada a estupefacção da primeira leitura. Com o conhecimento que tenho hoje, mais admiro o homem e a sua obra que marcou o século XX em França e na América. Mas o pequeno livro da Poche, trouxe-me à lembrança o tempo maravilhoso que foi o meu. Comprava esses exemplares na Buchholz a livraria que tinha tudo o que um pequeno intelectual desejava. Recordo-me até que a gestora alemã, Katharina Braun, que toda a gente detestava e eu tinha por ela uma simpatia sem limites, gostando da minha curiosidade e frequência nas suas instalações, me ofereceu o Album Green hoje de grande valor e esgotadíssimo, que o autor de Le Voyageur sur la terre criou para a Pléiade, em colaboração com o seu filho adoptivo Jean Eric Jourdan, decerto seu amante, sendo o seu grande amor traduzido em milhares de palavras e afectos ao longo do Diário póstumo, o jornalista e escritor Robert de Saint-Jean.