Quinta, 12.
Por estes dias o desânimo e a descrença
bateram-me à porta. Chegaram como é habitual acontecer para me afundar no sopé
de mim. O mundo parecia ter-me caído em cima aos bocados, submergindo-me no
lodaçal dos pensamentos onde o resumo de uma vida naufragava. Depois de ter
batido no chão duro que magoa, voltei à tona mais calmo, capaz de abraçar a
vida como um drogado feliz no intervalo de duas doses ou como uma canção
francesa que nos embala a tristeza.
- Estava com o mecânico do carro, quando toca o portátil. Atendo e digo:
“A sua bênção frei Hélcio” como é costume entre nós. Imaginem a cara do
técnico, um homem de uns trinta anos, dois metros de altura, um metro de
largura, percings e tatuagem, loiro e com um sorriso sempre pendurado no rosto,
estático a olhar para mim, de boca aberta, enquanto eu aceitava um almoço com meu
amigo para a próxima semana. Só visto. As palavras estão aqui a mais, como a
mais esteve o meu espanto com o espanto dele.
- Ontem voltou a vir aí o podador. O homem é surdo-mudo, mas fala que se
desunha. Eu dou-me muito bem com ele, temos grandes diálogos durante os quais ele
utiliza decerto o mesmo esquema que eu para nos compreendermos – tiramos por
conclusão.
- Nesta altura do ano como disse há muito trabalho a fazer no campo e no
jardim. Plantei um enxerto da romãzeira que a Piedade me trouxe o ano passado.
Antes tive de arrancar à mão todo o escalracho onde o espetei. Trabalho
medonho, porque esta maldita erva estende-se em galeria e profundidade. Só
nesta operação gastei uma hora. A seguir tratei um pedaço de terra cavando e
estrumando, para plantar um grupo de jarros que havia comprado domingo no
mercado de Pinhal Novo. Acrescem as regas ao fim do dia. As joaninhas devem ter
chegado por estes dias. Duas simpáticas raparigas, pousaram no meu braço. As
abelhas deixaram a hibernação e entram-me na cozinha como se fosse a sua sala
de estar.