Terça,
24.
Entre
nós há muito que nasceu uma engenhosa forma moral: o caso político. No mundo
político tudo é político. Esta astúcia tanto serve àquele que está atrás das
grades, como ao que por laxismo consentiu a negligência, a incompetência, o
desvario nos gastos, o favor ao amigo, a viagem à conta do erário público, o
roubo descarado, a corrupção, a montagem mentirosa do era para ser e não chegou
a ser.
- Outro que entretém muito o português
é o facto político, mais conhecido por fait-divers. A classe dos
(des)governantes adora, tem mesmo um deslumbramento por ele. Porque ele permite
o malabarismo e varrer para debaixo do tapete momentaneamente aquilo que aflige
a comunidade. É uma técnica refinada de cinismo e demagogismo. Os senhores
jornalistas também se derretem, permitindo-lhes arrastar o ping-pong das
acusações partidárias e desviar o pagode daquilo que verdadeiramente interessa.
É um contentamento geral que conduz e imiscui num mesmo sentimento de vacuidade
os mass media e a política. Um
exemplo recente é aquele de que Portugal tem os cofres cheios... de dívidas,
segunda a ministra das Finanças e a resposta de António Costa à boa maneira
socialista: se os tem cheios que os esvazie para socorrer os pobres.
- Hoje foi um dia terrível, sombrio.
Tivemos a notícia do falecimento do poeta Herberto Helder de manhã e à tarde da
morte de 150 passageiros do voo low cost da
Germanwings que descolou de Barcelona com destino a Dusseldorf. O que provocou
o trágico acidente ainda não se sabe. Vamos entrar no período da Quaresma. Penso
em Servius Sulpicius na carta que dirigiu a Cícero, inconsolável com a morte da
filha Tullia: Comment osons-nous, chétifs mortels que nous sommes, nous plaindre de la
mort d’un des nôtres, nous dont la nature a fait la vie si courte, quand nous
voyons d’un seul coup d’œil les cadavres gisants de tant de grandes cités !
Cícero, Ad Familiares.