Sábado,
16.
Ontem
andei a vaguear pelos lugares da saudade. O ARTE exibiu um programa mostrando
Paris e Veneza como nunca se viram. Tanto numa como noutra cidade, reconheci os
monumentos, as ruas, as fachadas dos prédios, as águas do Sena e da laguna hoje
transparente dando dignidade à Sereníssima. Veneza conheço como a palma das
minhas mãos e quanto a Paris estamos conversados. Forma de falar. Em verdade descobri-las
vazias, banhadas do silêncio que eu tanto necessito, abandonadas à essência
primeira, antes da sua concepção e vida desvairadas, cheias de chineses de
babuchas nos pés e do turismo de massas fraldiqueiro, num tempo suspenso que
nos traz a bênção do mundo primitivo onde cada um de nós e todos tínhamos a
beatificação da natureza rica de harmonia.
- Tudo e todos preparam-se para
retomar a vida de todos os dias na próxima segunda-feira. Ainda bem. Deste modo
acabam-se as idiotices à janela da televisão das ditas “figuras públicas” e
daquelas almas que rompem a monotonia oferecendo espectáculos patetas e
ridículos, como são quase todos que os canais de televisão exibiram. Este
canto ensoleirado, confinados os seus habitantes, transformou-se num asilo de
doidos vomitando disparates pelas janelas fora. Também desaparecem aqueles
filmes que nos incentivavam a termos coragem, nos aclaravam o futuro com
promessas de esperança, diziam que haveríamos de vencer o coronavírus, que
éramos heróis, que Portugal era um país de gente maravilhosa... No final lá
estava a marca de uma cerveja, de uma cadeia alimentar, de um automóvel. O
mundo obsceno dos negócios toma-nos por imbecis.
- Há todavia alguém que aprendeu muito
com a pandemia: António Costa. Na realidade deve ter sido muito, mesmo muito
difícil governar nos meses de Março e Abril, quando o vírus pulava de vítima em
vítima, as estruturas hospitalares lassavam de desespero, mortos e contaminados
às centenas e milhares, a actividade económica paralisada, os pobres a
crescerem e os ricos a aproveitar-se do Estado, a UE a assobiar para o lado, e
ele, só, ao leme de um barco que teimava em afundar-se. Passei a admirar este homem.
Ainda para mais porque conseguiu domar um povo com a palavra, mantendo intacta
a democracia, incutindo responsabilidade aos seus concidadãos, servindo-se da
persuasão e da empatia pessoal, para travar a catástrofe que se difundia por
todo o lado. Este António Costa pôs de lado a magia, as acções propagandistas,
o delírio partidário, a habilidade política para se concentrar no essencial e
por isso o seu trabalho é reconhecido. O Marquês de Pombal aproveitou o
terramoto de 1755 e embarcou numa de déspota; António Costa beneficiou da
Covid-19 para aperfeiçoar a democracia e crescer como político, quero dizer,
estadista.
- Esta manhã, como é de hábito aos
sábados, fui ao pequeno mercado de rua dos agricultores. O Sr. António que tem
a tenda mais artística de todas, há duas semanas (falei aqui) vendeu-me um tubérculo
que parecia trufa: tem a mesma forma, a mesma
rugosidade, o mesmo cheiro e até o interior se parece com a célebre e
caríssima pérola. Mas não é. Ele chama-lhe tubras. Apanha-as aqui na região,
onde o mato e uma certa erva as faz florescer. Cozinha-se de muitas maneiras, tem o
sabor da terra e é delicioso no forno, em omeleta, e ralado em saladas. Os estrangeiros pelam-se por aquilo e mesmo a
8 euros não ficam muito tempo na banca. Comprei-lhe meia-dúzia.
Em que século estamos? A máscara do Sr. António diz-nos. |
Seja como for, estas são as nossas trufas. |
- O silêncio, o tempo, o espaço e o
sol são um luxo nos dias que correm. A opção que fiz em 1999 de deixar o Príncipe
Real e me instalar definitivamente aqui, mostra-se hoje a decisão mais sábia
que tomei. Ficou pronta a limpeza do mato à roda da piscina. António telefonou,
excitado, com o recomeço da tertúlia. Os novos donos da Brasileira querem
fazer-nos uma surpresa. “Não faltes!” Lá irei embora não estivesse nos meus
planos.