quarta-feira, maio 13, 2020

Quarta, 13.
Por este tempo de confinamento, qualquer dia não sabemos caminhar. Foi por isso que fui passear ontem ao longo da Luísa Todi, com entrada no Livramento para comprar peixe fresco e absorver aquela atmosfera única. Pela primeira vez, pus máscara enquanto durou o percurso e as compras. Um horror! Respira-se mal, os óculos embaciam-se, parece que estamos amordaçados e é-nos  difícil falar. Daí, sei-o hoje, ter sempre visto por todo o lado pessoas com a máscara descida para conversar e decerto para respirar. É de facto um objecto usurpador do nosso quotidiano. Louvo médicos e enfermeiros e outras pessoas obrigadas a este escudo que devia ser um suplemento à lavagem frequente das mãos, à distância entre colocutores e à vigilância pessoal permanente. Eu, por exemplo, há seguramente mais de 20 anos que não tenho uma gripe, porque cumpro os princípios aqui enunciados. A saúde é a base da vida boa (para utilizar a regra dos estoicos). 

         - A mim irritam-me especialmente os nossos psicólogos. Eles pressagiam tudo utilizando o derrame do seu imenso conhecimento sobre a natureza humana com verborreia dos novos-ricos que tudo sabem, debitam e formulam, como se o que dizem pertencesse ao mundo exotérico do ser cuja chave só eles possuem. Qualquer pessoa minimamente culta conhece e decifra a teia dos segredos de que eles julgam possuir a exclusividade. Vem isto a propósito dos obstáculos por eles levantados às normativas para os infantários. Ai Jesus que as crianças vão ficar traumatizadas por isto e por aquilo, as distâncias entre elas são obstáculos ao seu harmonioso desenvolvimento, etc. etc.. Eles falam como adultos, tomando as crianças por pequenos seres mentecaptos que não compreendem, e vivem atormentados pelas regras sanitárias aconselhadas pela DGS. Não encaixaram que vivemos num estado anormal, que o que se pretende é defender os futuros adultos da morte e da doença. No fundo, não querem ter trabalho, é melhor entreter as crianças com um brinquedo, como se calam os velhos nos lares e hospitais com soporíferos e os pais modernos esquecem os filhos deixando-os à manjedoura dos computadores e telemóveis.


         - Dia de uma tristeza sem fim. Chove, faz frio, as ruas estão despovoadas, o alvoroço da vida ausentou-se e sobre todos nós paira a incerteza de haver futuro. Conversei com o Simão (37 minutos) em larga medida sobre este meu trabalho e os romances. Disse-lhe que para mim é essencial escrever – a publicação é acessória. Trilho um caminho difícil e inadmissível aos fanáticos, arrogantes e autocratas – o da independência e liberdade. Estou consciente da dificuldade, transporto aos ombros a leveza da solidão e da singularidade. E não estou só. O número crescente de leitores são a sombra salutífera que me protege. E volto a citar Gustav Mahler: “O meu tempo virá.”