Quarta,
13.
Por
este tempo de confinamento, qualquer dia não sabemos caminhar. Foi por isso que
fui passear ontem ao longo da Luísa Todi, com entrada no Livramento para
comprar peixe fresco e absorver aquela atmosfera única. Pela primeira vez, pus
máscara enquanto durou o percurso e as compras. Um horror! Respira-se mal, os
óculos embaciam-se, parece que estamos amordaçados e é-nos difícil falar. Daí, sei-o hoje, ter sempre
visto por todo o lado pessoas com a máscara descida para conversar e decerto
para respirar. É de facto um objecto usurpador do nosso quotidiano. Louvo
médicos e enfermeiros e outras pessoas obrigadas a este escudo que devia ser um
suplemento à lavagem frequente das mãos, à distância entre colocutores e à
vigilância pessoal permanente. Eu, por exemplo, há seguramente mais de 20 anos
que não tenho uma gripe, porque cumpro os princípios aqui enunciados. A saúde é
a base da vida boa (para utilizar a regra dos estoicos).
- A mim irritam-me especialmente os
nossos psicólogos. Eles pressagiam tudo utilizando o derrame do seu imenso
conhecimento sobre a natureza humana com verborreia dos novos-ricos que tudo
sabem, debitam e formulam, como se o que dizem pertencesse ao mundo exotérico
do ser cuja chave só eles possuem. Qualquer pessoa minimamente culta conhece e
decifra a teia dos segredos de que eles julgam possuir a exclusividade. Vem
isto a propósito dos obstáculos por eles levantados às normativas para os infantários.
Ai Jesus que as crianças vão ficar traumatizadas por isto e por aquilo, as
distâncias entre elas são obstáculos ao seu harmonioso desenvolvimento, etc.
etc.. Eles falam como adultos, tomando as crianças por pequenos seres
mentecaptos que não compreendem, e vivem atormentados pelas regras sanitárias
aconselhadas pela DGS. Não encaixaram que vivemos num estado anormal, que o que
se pretende é defender os futuros adultos da morte e da doença. No fundo, não
querem ter trabalho, é melhor entreter as crianças com um brinquedo, como se
calam os velhos nos lares e hospitais com soporíferos e os pais modernos
esquecem os filhos deixando-os à manjedoura dos computadores e telemóveis.
- Dia de uma tristeza sem fim. Chove,
faz frio, as ruas estão despovoadas, o alvoroço da vida ausentou-se e sobre
todos nós paira a incerteza de haver futuro. Conversei com o Simão (37 minutos)
em larga medida sobre este meu trabalho e os romances. Disse-lhe que para mim é
essencial escrever – a publicação é acessória. Trilho um caminho difícil e
inadmissível aos fanáticos, arrogantes e autocratas – o da independência e liberdade.
Estou consciente da dificuldade, transporto aos ombros a leveza da solidão e da
singularidade. E não estou só. O número crescente de leitores são a sombra salutífera
que me protege. E volto a citar Gustav Mahler: “O meu tempo virá.”