segunda-feira, maio 18, 2020

Segunda, 18.
O rebotalho desportivo anda assanhado. Há futebolistas de primeira, de segunda e até de terceira! Todos reclamam ajuda financeira do Estado. Eu tenho respeito pelos jogadores da segunda e terceira divisões porque praticam desporto e não se prestam a ser parafusos da grande indústria do futebol. Se os da primeira são prisioneiros do dinheiro (pobres patetas); os outros são praticantes do saudável convívio desportivo. Neste mundo só se fala em milhões. Agora, no espaço de dois meses, há jogadores que passam fome. Mas os políticos querem baralhar e tornar a dar um jogo sujo, desigual, corrupto e falsificado. Ninguém aprende nada com os avisos da Natureza onde se inscreve a fragilidade humana, e em breve tudo estará ao nível nojento onde sempre esteve. Até à derradeira oportunidade.  

         - “Será possível combinar as respostas às urgências maiores da população mais pobre e ir alterando o sistema económico dominante e insustentável, assente na exploração ilimitada de recursos limitados e em perpetuar escandalosas desigualdades sociais?” pergunta Fr. Bento Domingues no Público de ontem. E no último parágrafo  da sua crónica: (...) “para chegar à conversão ecológica é indispensável a conversão do desejo distorcido. Quem deseja tudo para si próprio  só pode ver, nos desejos dos outros, rivais a dominar ou a abater. Não sente alegria com a diferença.”

         - Momentos de alegria breve, ontem, lá fora deitado na espreguiçadeira ao sol. A dada altura, acalentado pela abóboda celeste de um azul leitoso, mergulhei num sono solto. Quando acordei, as nuvens que antes adejavam sobre a minha cabeça, tinham viajado para longe abrindo uma imensa clareira de céu cativante. As nuvens suspensas como algodão de uma brancura alva, pareciam dançar suavemente embalando os sonhos e ideias que povoam esta cabeça sem descanso. Ao redor, diante dos meus olhos cavados de estupefacção, o horizonte, perto e distante, era uma enorme paleta de cores tendo em primeiro plano as árvores cheias de laranjas e limões contra o verde intenso que a brisa suave acariciava. São sagrados estes momentos e urge registá-los como documentos emanados da bíblica sacrossanta da vida.

         - Jogar sem espectadores é o mesmo que no teatro representar para uma plateia vazia. Portanto, senhores futebolistas, não se queixem. Além que os nossos pobres actores são mais desfavorecidos que a patetice dos “homens em cuecas a correr atrás de uma bola”.

         - Como estamos de mesa? O de Sousa permite ao domingo o remate do almoço com duas fatias de queijo francês. O repasto foi preparado com esmero: perna de pato no forno regada com laranja, batatas assadas (à parte) com apenas um fio de azeite, salada mista de endívia, tomate, cebola, pedaços de abacate. A acompanhar tudo isto, um Douro Vila Real Premium de 2015.

         - Daqui até à estação atravesso, encantado, campos de coquelicots. Fui ao encontro dos meus amigos na Brasileira no primeiro dia de confinamento. Fui de máscara nas ventas e olho embaciado. Danado, pois claro. Tudo esqueci ao entrar no célebre café – lá estavam os artistas - o meu mundo. Sou recebido como se fosse o rei de Portugal que nunca subiu ao trono. A nova gerente vem cumprimentar-me e oferece-me um cartão assim como a todos os tertulianos, com a oferta do café hoje e a certeza de o preço para nós ficar sem alteração e com pagamento no fim do mês do que viermos a consumir ao longo das quatro semanas. Conversámos primeiro dentro e depois na esplanada onde a Tereza que eu chamei pelo telemóvel, quis abancar. Que bem se esteve! Não havia quase ninguém, as debates vadios regressaram em força ou antes com a loucura que o vírus chinês pretendia adormecer.


        
         Não é tudo. Veio para mim a TVi – uma jornalista, um cameraman – pedindo-me que falasse sobre a abertura do café, da vida que hoje se reinicia. Pensei: “isto é sina!” Ante a insistência da simpática rapariga, mais uma vez socorri-me da Tereza que primeiro recusou e depois aceitou. Ela queria saber a razão que me levava a recusar. Eu disse que o canal era uma espécie de Correio da Manhã, que nunca via e não me lembrava de alguma vez ter visto o telejornal. O rapaz barbudo, ria-se. 


         - Fico por aqui por hoje.