sábado, março 18, 2017

Sábado, 18.
Levantei-me às seis da manhã com o intuito de limpar e tratar a mesa que ontem terminámos, Fortuna e eu, no seu atelier. O nosso amigo propôs-se chegar às dez para montar as pernas e eu queria dar o produto protector na madeira uma hora antes de ele aparecer. (Anteontem, devido ao cansaço de aparafusar, pregar, lixar o tampo e carregá-lo, dormi nove horas seguidas.) Foi o que fiz sem que previamente tivesse ido ao mercado dos pequenos produtores, à drogaria adquirir uma trincha, ao padeiro um pão de mistura. Esta vida encapelada não surpreende a senectude que se aproxima, antes a revigora do entusiasmo dos exíguos nadas alimento essencial dos dias. Uma mesa, pela sua forma, estrutura e especificidade, é o centro do mundo. Escrevo, pois, sentado no imo do universo.


         - Toda esta semana, instantes rolados na excitação das coisas simples, sob tardes luminosas abençoadas pela paz e harmonia da natureza, vivi acima de mim, num lugar onde apenas eu tenho acesso, espécie de paraíso secreto cujo código só o coração possui,   sítio de tontices, loucuras, relâmpagos-foguetes de copiosas cores, descargas de adrenalina súbitas, paralisações em locais submersos na gargalhada abastada da inconsciência da infância, que tarda em largar o ser solitário que devora a amplidão e o silêncio que nela vive e o abraça da alegria alucinante da vida.