Sábado, 18.
Levantei-me
às seis da manhã com o intuito de limpar e tratar a mesa que ontem terminámos,
Fortuna e eu, no seu atelier. O nosso amigo propôs-se chegar às dez para montar
as pernas e eu queria dar o produto protector na madeira uma hora antes de ele
aparecer. (Anteontem, devido ao cansaço de aparafusar, pregar, lixar o tampo e carregá-lo,
dormi nove horas seguidas.) Foi o que fiz sem que previamente tivesse ido ao
mercado dos pequenos produtores, à drogaria adquirir uma trincha, ao padeiro um
pão de mistura. Esta vida encapelada não surpreende a senectude que se
aproxima, antes a revigora do entusiasmo dos exíguos nadas alimento essencial dos
dias. Uma mesa, pela sua forma, estrutura e especificidade, é o centro do
mundo. Escrevo, pois, sentado no imo do universo.
- Toda esta semana, instantes rolados
na excitação das coisas simples, sob tardes luminosas abençoadas pela paz e
harmonia da natureza, vivi acima de mim, num lugar onde apenas eu tenho acesso,
espécie de paraíso secreto cujo código só o coração possui, sítio de
tontices, loucuras, relâmpagos-foguetes de copiosas cores, descargas de
adrenalina súbitas, paralisações em locais submersos na gargalhada abastada da
inconsciência da infância, que tarda em largar o ser solitário que devora a
amplidão e o silêncio que nela vive e o abraça da alegria alucinante da
vida.