domingo, março 05, 2017

Domingo, 5.
François Fillon foi a grande desilusão. Afirmou há um mês que no momento em que fosse constituído arguido no processo dos dinheiros ganhos pela mulher e os filhos à conta dos contribuintes, desistiria de concorrer às eleições presidenciais. Deu o dito pelo não dito. Até aqui tudo normal, é o que fazem todos os seus pares, em França como em Portugal e noutros países. Quer-me parecer que a Madame Le Pen subiu mais uns degraus para o Eliseu.

         - O meu amigo Couto, durante muito tempo, sendo leitor atento destas páginas, dizia que eu era anarquista. Há dias, em conversa telefónica, acrescentou um pormenor que nos diferencia e de que maneira: o seu credo de advogado, leva-o a considerar a lei acima do cidadão. Ele e os simples funcionários da câmara daqui, dizem um uníssono: “É a lei.” Portanto, cidadão honesto e trabalhador, pagador de impostos e dos altos salários da nobreza democrática governativa cala-te, reduz-te à tua insignificância. Mas Couto disse mais qualquer coisa que me enche de esperança: “Estou em desacordo contigo em muita coisa.” Helder, heroico combatente, não esmoreças: estás no bom caminho! Contudo, talvez quem tenha razão é Gonçalo M. Tavares quando adianta: (...) “diga-se ainda que as discussões universais são sempre discussões particulares. Cada qual está debruçado sobre o seu mundo em parapeito frágil. E nem mesmo os imbecis têm fisionomias colectivas. Cada país é um pormenor que cada habitante utiliza como melhor lhe convém e como a lei permite”. Viagem à Índia, pág. 40, Ed. Caminho.  

         - O Público de hoje, sendo aniversariante, passou a palavra a Miguel Esteves Cardoso. Eu até simpatizo com o solitário de Sintra, mas repugna-me que ele tivesse elegido como modelo, um egoísta que afirma: “Conheço músicos incríveis, farto-me de viajar, sou respeitado. Mas não sou nenhum filantropo, faço para mim e tenho uma vida boa.” Esta posição é a do patronato português e, sobretudo, dos grandes patrões que são incapazes de partilhar a riqueza com o país e as pessoas. São abastados porque têm um harém de trabalhadores pagos à jorna por uma miséria. No tempo da troika, o números de ricos aumentou e os pobres passaram de um milhão para o dobro.


         - Saí das páginas do livro de Gunter Grass com vontade de voltar ao princípio. Que grande escritor descobri eu! Que fantasista, humanista, humorista, atento observador da História, trabalhando a palavra com desenvoltura, arriscando nela o seu passado, multiplicando o riso e o sofrimento, não tendo, inclusive, pejo em dizer que não conhece a língua com suficiente consistência para não dar erros ortográficos! Um homem destes é um monumento que mereceu sem contestação o Prémio Nobel. Mas vou continuar com ele. Já comprei o seguimento desta autobiografia narrada em A Caixa. 

         - A Primavera, indiferente ao clima e aos catedráticos da meteorologia, já chegou a estas paragens abençoadas. 
A exuberante ameixoeira 

O anárquico jardim 

A beleza da amendoeira em flor