segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Segunda, 5.
Depois dos cataclismos provocados pelas inundações com prejuízos medonhos, a Europa vai de novo entrar num período de frio polar. Em Moscovo as temperaturas já desceram a –30 graus centígrados e a neve acumula-se com mais de um metro nas ruas, árvores tombam com o peso dos cubos de gelo.

O jardim de Annie/Robert, em Paris 

         - O mundo assiste, incrédulo, ao retorno à Guerra Fria. Os EUA vão fabricar novas armas nucleares, mais maleáveis, mais pequenas e mais potentes do que aquelas que largaram em Nagasaki. A Rússia já veio dizer que quer enfrentar a tecnologia americana e não vai ficar para trás.

         - Ontem assisti à missa na belíssima capela do Senhor do Bonfim, em Setúbal. Curiosamente, como poucas vezes me acontece, estive presente do princípio ao fim. Eu explico-me. Normalmente, em concertos de música clássica ou nas missas dominicais, não consigo concentrar-me e o meu cérebro voa por mundos que não tocam de forma nenhuma os espirituais. Às vezes chego a modificar certas partes do livro que estou a escrever, outras invento histórias sem nenhum sentido, recordo factos da minha vida presente e passada, numa cavalgada impressionante. Talvez a minha fé não me convença quanto mais a Deus. Estou em comunhão com Ele, mas ausente no mundo extravagante onde o meu cérebro se compraz em percursos que desacreditam aqueles momentos sagrados. Ainda por cima, o sermão do celebrante, fazia referência a S. Paulo que desde que li as suas Cartas na tradução de Frederico Lourenço, dou comigo a desejar relê-lo – o Evangelista 
que tanto me impressionou.

A bela capela em estilo Barroco do Senhor do Bonfim 

         - Saí da missa, atravessei a cidade, e fui sentar-me na longa mesa do Café da Casa àquela hora com dois ou três clientes. Estava ansioso por voltar ao convívio de Flávio, de Rui que tinha deixado na véspera num hotel, em Sevilha. Radiosas duas horas! O sol entrava pelas vidraças do estabelecimento e batia na mesa de madeira antiga, avivando os tons belíssimos do tampo onde havia livros dispersos para leitura dos habitués. Nas paredes há óleos num alinhamento descontinuo, a atmosfera é convidativa ao trabalho, respira-se conforto contido, silêncio, paz. Na Luísa Todi, não passava quase ninguém. Era domingo antes do dia acordar.

         - Escrevo estas linhas em frente à lareira acesa. Aqui dentro há um universo suspenso da respiração do silêncio, do compasso das horas deitadas no tempo pendente do que chega sem levantar a espuma dos dias. Estou estranhamente calmo, repouso até sobre os filamentos dos nervos que são nesta manhã clara uma teia pelúcida formada em torno do espaço confinado ao circulo dos livros. O turbilhão das ideias é um ciclorama que não pára de rodar. Até quando só Deus sabe. Por mim, estou preparado para um pulo ao outro lado onde a eternidade nos aguarda para recomeçarmos ou continuarmos uma outra qualquer forma de vida.


         - A internet é o depósito de todas as frustrações, dores e esperanças abortadas.