quinta-feira, abril 27, 2017

Quinta, 27.
Que dizer da oratória fúnebre ao polícia abatido a tiro nos Campos Elísios há uma semana a mando dos tiranos do Daesh pelo seu companheiro. Que dignidade, que presença serena e ao mesmo tempo contida na despedida brutal ao amigo que com ele partilhou a vida! Nada. Se não a inclinação respeitosa que a morte obriga como o reconhecimento da nação e da corporação ao direito de cada um viver no bem-estar do amor.

         - Não sei como não fomos postos na rua da Brasileira. Eu tive a infelicidade de dizer que partilho com Marine le Pen os principais valores por que ela se bate. Logo os meus amigos me saltaram em cima com todo o tipo de impropérios e nenhum conhecimento concreto do que defende Madame. São o protótipo daqueles que se deixam levar na avalanche informativa que a dita esquerda impõe capciosamente. Também não gostam de Chou-Chou, preferindo-o, contudo, à dirigente da FN. A política é canalha até dizer chega! Sendo todos comunistas, perguntei-lhes se conheciam o pequeno, o seu projecto de “liberalização do código do trabalho” que cozinhou enquanto Ministro da Economia do fracote Hollande e prontamente rejeitado pelas centrais sindicais. Aparentemente, não. Só se referiam o facto de Le Pen rejeitar os imigrantes, a continuação da França na UE e gritavam que ela não é democrata. Respondi ao fogo cruzado perguntando se ela não é democrata garantindo a consulta popular aos franceses para saber se querem ou não continuar na União Europeia, coisa que os “democratas” socráticos prometeram e não fizeram. Se acham que pode viver com dignidade quem cruza as fronteiras da França, Portugal, Alemanha sem nenhuma espécie de controlo, documentação, trabalho. Se abrindo os mercados e globalizando o trabalho e os negócios, melhor se defende quem trabalha e se projeta o futuro. Não responderam. Aproveitando o silêncio, acrescentei: ela podem não vencer as eleições, mas vai tomar conta do país para o ano quando tiver nas mãos a maioria da Assembleia Nacional. Mais tarde no Príncipe e depois no atelier do Guilherme não me largaram. Apenas o Irmão entretanto chegado comungava das minhas ideias – ele que todos dizem ser de direita.

         - Outro dia, na Cordoaria, avisto um homem a olhar muito fixamente para mim: era um amigo de longa data comido pela velhice. Foi meu vizinho em S. Marçal, reuniu uma sólida fortuna, aproveitando a sua relação com um homem do Quarto Governo Constitucional que mais tarde foi nomeado director de uma grande empresa pública. Quando as coisas se consolidaram, chutou-o para canto e prendeu-se de amores por um rapaz casado aqui de Setúbal. A relação que a mulher do outro conhecia, durou um bom par de anos, a tal ponto que lhe perguntei se ainda existia. Respondeu-me, amargurado, que não e que até estava com ele em tribunal por se recusar a deixar um belo andar no único mastodonte da Avenida Luísa Todi. “Que idade tem ele? – perguntei. – Cinquenta e poucos e um filho de outra tipa. – Se calhar não tem para onde ir – disse como quem não quer a coisa. – Pois não tem. Mas eu não tenho nada a ver com isso.” Quem o viu no auge da sua beleza (ele era manequim de moda), quem o admirasse ao volante de vários carros espampanantes que exibia a meia tarde nas esplanadas da Avenida de Roma, quem o vê agora ruído de revolta e indiferença ante um amor que decerto o amou e ele aproveitou, a idade invadindo como uma mascara mortuária o rosto outrora aberto à claridade de todos os desejos, não diria que aquele homem é aquele outro que a vaidade metamorfoseou em amargura.   

         - Todos os dias, somos arrastados pela ladainha do governo do Mágico sobre a exuberância das nossas finanças. Estamos óptimos, a economia está a crescer, o défice a diminuir, o desemprego a baixar, os portugueses a consumir, a pobreza a decrescer, os juros do que pedimos emprestado nunca estiveram tão baixos, enfim se não somos a Suíça da Ibérica, somos pelo menos um irmão que fala de igual para igual. Com um pequeníssimo pormenor: não enganamos as empresas de rating que ainda a semana passada voltaram a reafirmar que não passamos de lixo.


         - A voz corrente é que Paul Morand fazia literatura com a mesma facilidade e gosto com que conduzia carros de corrida. Era um homem apressado. Até Julien Green que fora muito chegado a ele, partilhava dessa ideia. Todavia, pela parte que me toca  - e eu conheço bastante bem a sua obra – estou nos antípodas. Dos pequenos livros com uma centena de páginas tão ao gosto dos editores, não sei de nenhum. Pelo contrário, este que findei há dias, Londres, é uma obra com 500 páginas sobre história, testemunhos e pesquisas profundas que atravessam vários séculos e nos mostram quão foi ele o plenipotenciário escritor do detalhe, do estudo, da capacidade de compreender e ser ele mesmo o centro dos acontecimentos. Para tanto deve ter contribuído a carreira diplomática com o seu início na ville qui fait de la lumière avec rien, des gris.