Quinta, 27.
Que
dizer da oratória fúnebre ao polícia abatido a tiro nos Campos Elísios há uma
semana a mando dos tiranos do Daesh pelo seu companheiro. Que dignidade, que
presença serena e ao mesmo tempo contida na despedida brutal ao amigo que com
ele partilhou a vida! Nada. Se não a inclinação respeitosa que a morte obriga
como o reconhecimento da nação e da corporação ao direito de cada um viver no bem-estar
do amor.
- Não sei como não fomos postos na rua
da Brasileira. Eu tive a infelicidade de dizer que partilho com Marine le Pen
os principais valores por que ela se bate. Logo os meus amigos me saltaram em
cima com todo o tipo de impropérios e nenhum conhecimento concreto do que defende
Madame. São o protótipo daqueles que se deixam levar na avalanche informativa que
a dita esquerda impõe capciosamente. Também não gostam de Chou-Chou,
preferindo-o, contudo, à dirigente da FN. A política é canalha até dizer chega!
Sendo todos comunistas, perguntei-lhes se conheciam o pequeno, o seu projecto de
“liberalização do código do trabalho” que cozinhou enquanto Ministro da
Economia do fracote Hollande e prontamente rejeitado pelas centrais sindicais.
Aparentemente, não. Só se referiam o facto de Le Pen rejeitar os imigrantes, a
continuação da França na UE e gritavam que ela não é democrata. Respondi ao
fogo cruzado perguntando se ela não é democrata garantindo a consulta popular
aos franceses para saber se querem ou não continuar na União Europeia, coisa
que os “democratas” socráticos prometeram e não fizeram. Se acham que pode
viver com dignidade quem cruza as fronteiras da França, Portugal, Alemanha sem
nenhuma espécie de controlo, documentação, trabalho. Se abrindo os mercados e
globalizando o trabalho e os negócios, melhor se defende quem trabalha e se
projeta o futuro. Não responderam. Aproveitando o silêncio, acrescentei: ela
podem não vencer as eleições, mas vai tomar conta do país para o ano quando
tiver nas mãos a maioria da Assembleia Nacional. Mais tarde no Príncipe e
depois no atelier do Guilherme não me largaram. Apenas o Irmão entretanto
chegado comungava das minhas ideias – ele que todos dizem ser de direita.
- Outro dia, na Cordoaria, avisto um
homem a olhar muito fixamente para mim: era um amigo de longa data comido pela
velhice. Foi meu vizinho em S. Marçal, reuniu uma sólida fortuna, aproveitando
a sua relação com um homem do Quarto Governo Constitucional que mais tarde foi
nomeado director de uma grande empresa pública. Quando as coisas se
consolidaram, chutou-o para canto e prendeu-se de amores por um rapaz casado
aqui de Setúbal. A relação que a mulher do outro conhecia, durou um bom par de
anos, a tal ponto que lhe perguntei se ainda existia. Respondeu-me, amargurado,
que não e que até estava com ele em tribunal por se recusar a deixar um belo
andar no único mastodonte da Avenida Luísa Todi. “Que idade tem ele? –
perguntei. – Cinquenta e poucos e um filho de outra tipa. – Se calhar não tem
para onde ir – disse como quem não quer a coisa. – Pois não tem. Mas eu não
tenho nada a ver com isso.” Quem o viu no auge da sua beleza (ele era manequim
de moda), quem o admirasse ao volante de vários carros espampanantes que exibia
a meia tarde nas esplanadas da Avenida de Roma, quem o vê agora ruído de
revolta e indiferença ante um amor que decerto o amou e ele aproveitou, a idade
invadindo como uma mascara mortuária o rosto outrora aberto à claridade de
todos os desejos, não diria que aquele homem é aquele outro que a vaidade metamorfoseou
em amargura.
- Todos os dias, somos arrastados pela
ladainha do governo do Mágico sobre a exuberância das nossas finanças. Estamos
óptimos, a economia está a crescer, o défice a diminuir, o desemprego a baixar,
os portugueses a consumir, a pobreza a decrescer, os juros do que pedimos
emprestado nunca estiveram tão baixos, enfim se não somos a Suíça da Ibérica,
somos pelo menos um irmão que fala de igual para igual. Com um pequeníssimo
pormenor: não enganamos as empresas de rating
que ainda a semana passada voltaram a reafirmar que não passamos de lixo.
- A voz corrente é que Paul Morand
fazia literatura com a mesma facilidade e gosto com que conduzia carros de
corrida. Era um homem apressado. Até Julien Green que fora muito chegado a ele,
partilhava dessa ideia. Todavia, pela parte que me toca - e eu conheço bastante bem a sua obra –
estou nos antípodas. Dos pequenos livros com uma centena de páginas tão ao
gosto dos editores, não sei de nenhum. Pelo contrário, este que findei há dias,
Londres, é uma obra com 500 páginas
sobre história, testemunhos e pesquisas profundas que atravessam vários séculos
e nos mostram quão foi ele o plenipotenciário escritor do detalhe, do estudo,
da capacidade de compreender e ser ele mesmo o centro dos acontecimentos. Para
tanto deve ter contribuído a carreira diplomática com o seu início na ville qui fait de la lumière avec rien, des
gris.