Quarta, 11.
Poderia acrescentar mais um dado ao que
disse segunda-feira, dia 8: o crescente racismo nos dias de hoje. Que, de
resto, fez caminho desde tempos recuados. Quem tenha por hábito ler a Bíblia, lembra-se
das origens de Moisés; quem goste de História conhece os tempos conturbados do
Egipto Antigo, onde povos muito diferentes – Heteus, Cananeus, Amorreus,
Fariseus, Jebuseos, Hebreus – viviam à sombra de faraós déspotas como escravos.
Moisés nasceu da loucura que a princesa Bithya teve quando numa manhã olhou
através da janela do seu palácio e viu o corpo acetinado e moreno do escravo israelita.
O que se seguiu é a narrativa de uma paixão que o pai Seti I e o irmão Ramsés,
levaram a cabo para afastar a vergonha daquele filho nascido do jardineiro
judeu, meio-irmão do futuro faraó Ramsés II, neto de sua majestade o grande
faraó. Pai e filho, com a corte religiosa do templo de Ámon-Râ associada, vizires
e sacerdotes, tudo fizeram para que a princesa não obscurecesse as nobres
origens familiares e o palácio real com a criança nascida de um negro num
momento de loucura. Não era só o meio social que impunha a liquidação daquele
filho ilegítimo, era também a sua cor de pele, a matriz de escravo, a mistura
plebeia com a aristocrática. Seti I tudo fez para refazer o poder e afastar da
sua árvore genealógica os escolhos que vinham de trás e logo lhe caiu em cima
uma descendência vergonhosa.
- Há um dado heroico a marcar a actualidade: a passagem do mar Egeu a nado
por um jovem sírio. O rapaz começou por treinar meses a fio na piscina, em
Damas. Quando sentiu que estava em forma para afrontar o mar Egeu, as vagas
alterosas, o frio e o vento forte, determinado e sem dinheiro para pagar a
travessia como milhares de outros compatriotas, inicia a viagem de sete meses.
Primeiro, para Beirute, onde prossegue os treinos, a seguir a Turquia e dali
atirou-se ao mar para nadar sete horas até à Grécia onde lhe deram
imediatamente asilo, ontem ao fim do dia. Para trás deixou familiares mortos, a
casa paterna destruída pelos bombardeamentos, um futuro sem futuro.