quarta-feira, maio 11, 2016

Quarta, 11.
Poderia acrescentar mais um dado ao que disse segunda-feira, dia 8: o crescente racismo nos dias de hoje. Que, de resto, fez caminho desde tempos recuados. Quem tenha por hábito ler a Bíblia, lembra-se das origens de Moisés; quem goste de História conhece os tempos conturbados do Egipto Antigo, onde povos muito diferentes – Heteus, Cananeus, Amorreus, Fariseus, Jebuseos, Hebreus – viviam à sombra de faraós déspotas como escravos. Moisés nasceu da loucura que a princesa Bithya teve quando numa manhã olhou através da janela do seu palácio e viu o corpo acetinado e moreno do escravo israelita. O que se seguiu é a narrativa de uma paixão que o pai Seti I e o irmão Ramsés, levaram a cabo para afastar a vergonha daquele filho nascido do jardineiro judeu, meio-irmão do futuro faraó Ramsés II, neto de sua majestade o grande faraó. Pai e filho, com a corte religiosa do templo de Ámon-Râ associada, vizires e sacerdotes, tudo fizeram para que a princesa não obscurecesse as nobres origens familiares e o palácio real com a criança nascida de um negro num momento de loucura. Não era só o meio social que impunha a liquidação daquele filho ilegítimo, era também a sua cor de pele, a matriz de escravo, a mistura plebeia com a aristocrática. Seti I tudo fez para refazer o poder e afastar da sua árvore genealógica os escolhos que vinham de trás e logo lhe caiu em cima uma descendência vergonhosa.


         - Há um dado heroico a marcar a actualidade: a passagem do mar Egeu a nado por um jovem sírio. O rapaz começou por treinar meses a fio na piscina, em Damas. Quando sentiu que estava em forma para afrontar o mar Egeu, as vagas alterosas, o frio e o vento forte, determinado e sem dinheiro para pagar a travessia como milhares de outros compatriotas, inicia a viagem de sete meses. Primeiro, para Beirute, onde prossegue os treinos, a seguir a Turquia e dali atirou-se ao mar para nadar sete horas até à Grécia onde lhe deram imediatamente asilo, ontem ao fim do dia. Para trás deixou familiares mortos, a casa paterna destruída pelos bombardeamentos, um futuro sem futuro.