Domingo, 22.
Claudio Magris que escreveu o admirável Danúbio, viaja essencialmente para se
encontrar com as pessoas, respirar a atmosfera das cidades, vasculhar as
periferias, confrontar a história, dizia ao Ipsilon
de sexta-feira, que “os cafés são a versão moderna da Ágora grega”. É dele este
enunciado (pág. 203 de Danúbio, tradução de Miguel Serras Pereira, Quetzal): A verdadeira literatura não é a que
lisonjeia quem lê, confirmando-o nos seus preceitos e nas suas certezas, mas
sim a literatura que o persegue e põe em dificuldade, que o obriga a refazer as
suas contas com o mundo e com as suas certezas. Ernst Junger, pelo
contrário, viajou muito para conhecer as borboletas, as flores, as árvores e os
seus Diários são mundos de uma beleza arrebatadora mesmo que pouco percebamos
da linguagem da botânica e da entomologia. Junger, não dando prioridade aos
museus, sempre que podia entrava neles e nas igrejas e nas praias que frequentou,
sempre só, até aos 100 anos. Do ponto de vista cultural, era uma enciclopédia,
embora a mim me dê a impressão que via tudo pelo prisma da fantasia e de uma
certa filosofia agarrada aos Gregos – o que faz dele um escritor único. Quem
leu os cinco grossos tomos de Soixante-dix
s´efface sabe do que falo. Junger foi um grande imperador solitário que
morreu com 103 anos.
- Manhã muito cedo quando acordo, admiro o soberano silêncio e a
serenidade que paira no ar carregado de esperanças, e fecho-me numa prece de
agradecimento por mais um dia de vida.
- Para ser franco, aqui não tenho tempo para envelhecer. O ritmo dos
afazeres pautado pelo seguimento das horas intervaladas da escrita, da leitura
e da reflexão, com os afazeres domésticos pelo meio, não me deixam espaço para
sair do presente. Hoje acordei com uma impressão de lassidão instalada na
cabeça. Acerquei-me de uma aspirina de 2014 que encontrei numa gaveta, e em alguns
minutos estava cheio de genica, a tal ponto que enquanto o almoço se cozinhava no
forno, cavei um bocado de terra em frente à casa, estrumei-a e plantei um
canteiro de alfazema. Sobrando-me ainda energia, podei o limoeiro, cortei erva
nas traseiras da casa e preparei a viagem, amanhã, a Badajoz para a compra dos
produtos necessários à abertura da época piscineira.
- Dou-me conta, contudo, que pouco falo de cozinha. Vou, portanto,
apresentar a ementa do almoço de hoje. Sendo domingo, é dia dos queijos.
Saboreio a partir do meio da semana este momento para mim exquis. Peito de peru no forno com batata doce, cebolinha, castanhas,
pimenta preta e ervas do campo. Depois os famosos queijos, sobretudo um de
cabra, verdadeiro ninho ou broche de um encanto apetitoso, com arandos vermelhos
e mirtilos, adquirido no Corte Inglês por um preço extravagante para um pobre,
mas no mesmo vaipe da Annie que sendo rica tem ímpetos de pobre. A seguir
nêsperas aqui da quinta e framboesas. Tudo regado com um tinto alentejano da
Herdade das Mouras. Nespresso para fechar. E sempre o cântico do cuco a
acompanhar. Sol a rodos. Joie de vivre.