domingo, maio 22, 2016

Domingo, 22.
Claudio Magris que escreveu o admirável Danúbio, viaja essencialmente para se encontrar com as pessoas, respirar a atmosfera das cidades, vasculhar as periferias, confrontar a história, dizia ao Ipsilon de sexta-feira, que “os cafés são a versão moderna da Ágora grega”. É dele este enunciado (pág. 203 de Danúbio, tradução de Miguel Serras Pereira, Quetzal): A verdadeira literatura não é a que lisonjeia quem lê, confirmando-o nos seus preceitos e nas suas certezas, mas sim a literatura que o persegue e põe em dificuldade, que o obriga a refazer as suas contas com o mundo e com as suas certezas. Ernst Junger, pelo contrário, viajou muito para conhecer as borboletas, as flores, as árvores e os seus Diários são mundos de uma beleza arrebatadora mesmo que pouco percebamos da linguagem da botânica e da entomologia. Junger, não dando prioridade aos museus, sempre que podia entrava neles e nas igrejas e nas praias que frequentou, sempre só, até aos 100 anos. Do ponto de vista cultural, era uma enciclopédia, embora a mim me dê a impressão que via tudo pelo prisma da fantasia e de uma certa filosofia agarrada aos Gregos – o que faz dele um escritor único. Quem leu os cinco grossos tomos de Soixante-dix s´efface sabe do que falo. Junger foi um grande imperador solitário que morreu com 103 anos.

         - Manhã muito cedo quando acordo, admiro o soberano silêncio e a serenidade que paira no ar carregado de esperanças, e fecho-me numa prece de agradecimento por mais um dia de vida. 

         - Para ser franco, aqui não tenho tempo para envelhecer. O ritmo dos afazeres pautado pelo seguimento das horas intervaladas da escrita, da leitura e da reflexão, com os afazeres domésticos pelo meio, não me deixam espaço para sair do presente. Hoje acordei com uma impressão de lassidão instalada na cabeça. Acerquei-me de uma aspirina de 2014 que encontrei numa gaveta, e em alguns minutos estava cheio de genica, a tal ponto que enquanto o almoço se cozinhava no forno, cavei um bocado de terra em frente à casa, estrumei-a e plantei um canteiro de alfazema. Sobrando-me ainda energia, podei o limoeiro, cortei erva nas traseiras da casa e preparei a viagem, amanhã, a Badajoz para a compra dos produtos necessários à abertura da época piscineira.


         - Dou-me conta, contudo, que pouco falo de cozinha. Vou, portanto, apresentar a ementa do almoço de hoje. Sendo domingo, é dia dos queijos. Saboreio a partir do meio da semana este momento para mim exquis. Peito de peru no forno com batata doce, cebolinha, castanhas, pimenta preta e ervas do campo. Depois os famosos queijos, sobretudo um de cabra, verdadeiro ninho ou broche de um encanto apetitoso, com arandos vermelhos e mirtilos, adquirido no Corte Inglês por um preço extravagante para um pobre, mas no mesmo vaipe da Annie que sendo rica tem ímpetos de pobre. A seguir nêsperas aqui da quinta e framboesas. Tudo regado com um tinto alentejano da Herdade das Mouras. Nespresso para fechar. E sempre o cântico do cuco a acompanhar. Sol a rodos. Joie de vivre.