Sábado,
8.
O
meu vizinho é um homem abençoado por Deus. Eu levei mais de dois anos a
convencê-lo a cortar o eucaliptal que me rondeava a propriedade de todos os
lados menos pela estrada de acesso à sua quinta e à minha. O resultado foi uma
obra de arte que lhe custou milhares e eu espero sinceramente tenha um bom
rendimento. Assim deve ser, com efeito. Dos 25 mil pés de vinha que plantou,
nenhum secou e o resultado é este com os bebés bebedolas já de crista levantada.
A par da beleza que não me canso de admirar assim que abro a janela do meu
quarto quando acordo até ao crepúsculo.
- Este ano foi ano de damascos. As
árvores tiveram tantos que os ramos vergavam ao seu peso. Ofereci sacos deles,
fiz compota, congelei.
- Como eu previ, já se revoltam os
ânimos de um lado e outro – proprietários de transportes e utentes -, contra a
desordem que por aí vai. Querem suprimir bancos, meter cada vez mais gado nas
carruagens, sem qualquer respeito pelas pessoas, porque suas excelências
deslocam-se em carros do Estado ou nos seus individuais, pois nunca vejo nenhum
político utilizar o metro, o comboio ou o autocarro. Há uma realidade para os
que os partidos protegem e outra do cidadão comum. O precipício que os separa é
tal, que nem a algraviada quando há eleições consegue aproximá-los.
- Esta dissemelhança está inteira na
nova lei da habitação agora aprovada. O Parlamento é uma espécie de coutada
onde não entra a caça miúda do povoléu. Os ordenados que os senhores deputados
e ministros auferem e não tarda vão ser aumentados, estejam tranquilos
benfazejas criaturas!, estão tão longe do que ganha o cidadão trabalhador e
honesto, que a Assembleia da República propôs, em Lisboa, um T0 a 600 euros/mês,
um T2, 1.150 euros, como se 90 por cento da população tivesse os salários dos
nossos fantasistas representantes. Por ironia ou gozo, chamam eles a esta lei “rendas
acessíveis”. Se me permitem um conselho, vão todos os grupos parlamentares pela
manhã cedo, ver a quantidade de pessoas que dormem na parte inferior da estação
do Rossio. Na sua maioria são seres humanos que têm emprego, mas não auferem o
suficiente para pagar uma casa por minúscula que seja. Digo e repito: as
pessoas foram abandonadas à sua sorte; a propaganda esmaga-as de ostracismo e
solidão tremenda em que a maioria vive. É tão revoltante esta situação, como
aquela num hospital do Porto que pôs os doentes hospitalizados nas retretes!