sábado, junho 08, 2019

Sábado, 8.
O meu vizinho é um homem abençoado por Deus. Eu levei mais de dois anos a convencê-lo a cortar o eucaliptal que me rondeava a propriedade de todos os lados menos pela estrada de acesso à sua quinta e à minha. O resultado foi uma obra de arte que lhe custou milhares e eu espero sinceramente tenha um bom rendimento. Assim deve ser, com efeito. Dos 25 mil pés de vinha que plantou, nenhum secou e o resultado é este com os bebés bebedolas já de crista levantada. A par da beleza que não me canso de admirar assim que abro a janela do meu quarto quando acordo até ao crepúsculo.



         - Este ano foi ano de damascos. As árvores tiveram tantos que os ramos vergavam ao seu peso. Ofereci sacos deles, fiz compota, congelei.

         - Como eu previ, já se revoltam os ânimos de um lado e outro – proprietários de transportes e utentes -, contra a desordem que por aí vai. Querem suprimir bancos, meter cada vez mais gado nas carruagens, sem qualquer respeito pelas pessoas, porque suas excelências deslocam-se em carros do Estado ou nos seus individuais, pois nunca vejo nenhum político utilizar o metro, o comboio ou o autocarro. Há uma realidade para os que os partidos protegem e outra do cidadão comum. O precipício que os separa é tal, que nem a algraviada quando há eleições consegue aproximá-los.


         - Esta dissemelhança está inteira na nova lei da habitação agora aprovada. O Parlamento é uma espécie de coutada onde não entra a caça miúda do povoléu. Os ordenados que os senhores deputados e ministros auferem e não tarda vão ser aumentados, estejam tranquilos benfazejas criaturas!, estão tão longe do que ganha o cidadão trabalhador e honesto, que a Assembleia da República propôs, em Lisboa, um T0 a 600 euros/mês, um T2, 1.150 euros, como se 90 por cento da população tivesse os salários dos nossos fantasistas representantes. Por ironia ou gozo, chamam eles a esta lei “rendas acessíveis”. Se me permitem um conselho, vão todos os grupos parlamentares pela manhã cedo, ver a quantidade de pessoas que dormem na parte inferior da estação do Rossio. Na sua maioria são seres humanos que têm emprego, mas não auferem o suficiente para pagar uma casa por minúscula que seja. Digo e repito: as pessoas foram abandonadas à sua sorte; a propaganda esmaga-as de ostracismo e solidão tremenda em que a maioria vive. É tão revoltante esta situação, como aquela num hospital do Porto que pôs os doentes hospitalizados nas retretes!