terça-feira, maio 08, 2018

Terça, 8.
Eu não desarmo. Daí que tenha outro dia exposto ao tribunal aqui da vila, o direito que me assiste a ver devolvidos os novecentos euros que a autarquia me cobrou pelo gasto de água que não gastei. Fui recebido por um jurista a quem expus os princípios que me norteiam. Antes, porém, disse-lhe: “Se o senhor me vem dizer que é a lei, eu debando imediatamente.” O jurista João Manuel Pereira, inteligente e sem teias na cabeça, ouviu-me com um misto de surpresa e divertimento. A conversa prosseguiu, enfunou de entusiasmo, e no calor da minha argumentação, pareceu-me vê-lo satisfeito por ter talvez, enfim, alguém que não está na sua frente passivo e conformado com a justiça dos homens. A discussão durou mais de uma hora, cruzando valores morais com as leis gerais da República que não têm em conta as circunstâncias precisas de cada cidadão, antes se aprumam em torno de princípios administrativos. Porque a Justiça hoje é uma manta de retalhos, feita à medida das centrais de advocacia que têm o condão de transformar assassinos e ladrões, corruptos e malfeitores em santos e honestos cidadãos. Depois há uma justiça para os pobres – esta, sim, sem palavreado, ligeira ao dizer “está na lei”, “é da lei”, “estamos a aplicar a lei”; enquanto a outra vai aos confins do mundo, volta e retorna, e ao fim de muitos anos levanta-se o senhor juiz e clama: “Absolva-se o réu!” Em O juiz Apostolatos ocupo-me da Justiça, faço uma grande reflexão sobre o tema e espero que os meus leitores me acompanhem e a Hegel que quis aproximar o destino humano cristão do ideal antigo. 


         - Não sei a que propósito, encontrando-me eu na Brasileira, apareceram duas raparigas por sinal muito airosas, a pedirem-me uma entrevista sobre o 25 de Abril. Disseram-me que tinham lá ido na véspera à minha procura e eram alunas do curso de jornalismo (suponho) na Católica. Declinei o convite e ante a insistência (a conversa devia ser gravada e filmada) empurrei-as para o arquitecto Alhero e João Corregedor. O primeiro aceitou, o segundo disse que ia pensar. Que posso eu dizer sobre o “Dia da Liberdade”! O melhor possível, pois foi por ele que me bati. Mas depois veio o Primeiro de Maio de 74 e aí passei a narrar a história de frente para trás. A verdade é esta: enquanto houver pessoas da minha geração para contar como foi, a democracia balança mas não cai. A seguir, quando a história for revisitada pelos que hoje dela usufruem, com as falsidades, ódios e aproveitamento dos que fizeram o 25 de Abril, traçando a seu modo um período de estrutura ideológica ainda fracturada pelo que viveram, muita trapalhada se interpõe e só o tempo, esse largo espectro de bonança, enterrados os protagonistas e o caudal dos acontecimentos expostos a luz da verdade nua e crua, poderá ser conhecido, imparcial e desapaixonadamente, o que foi o antes e o pós-25 de Abril de 1974.