segunda-feira, janeiro 08, 2024

Segunda, 8.

Pus de parte este registo para me consagrar ao romance. Gostava de o terminar antes do final do ano, mas para isso preciso de sacrificar o tempo que perco aqui em notas de rodapé da vida política, que mais parece um exercício de gangsters ou de gente que vive de expedientes contabilizados. 

         - Outro dia estive à conversa ao telefone com o João B. mais de uma hora. Ele vive como eu revoltado com o estado disto tudo e sobretudo do abandalhamento geral em que os socialistas deixaram o país. Ele sabe do que fala. Esteve décadas a servir o Estado português cá dentro e lá fora em diferentes cargos, todos prático-políticos e conhece esta gente de ginjeira. Depois um dia, farto de assistir aos folguedos partidários, meteu os papéis para a reforma. Foi no período Sócrates-Costa. Ele conheceu de perto estas personagens kafkianas e percebeu antecipadamente a sintonia da união. Grande senhor, surpreendeu-me alguma adjectivação empregada e ainda o conselho que me deu  para ler o Correio da Manhã onde encontro tudo aquilo que outros jornais não querem publicar. Prometi-lhe que o iria visitar aos seus domínios para os lados de Torres Vedras e conhecer a capela mortuária que construiu dentro da área da sua cottage e onde, diz-me, já se celebraram duas missas. 

         - Ontem aceitei o convite da Alzira e fui ver Dias Perfeitos do realizador Wim Wenders. Fui de pé atrás, porque nem tudo deste realizador me agrada, particularmente, o filme que rodou em Lisboa. Todavia, este seu trabalho passado no Japão, marcado por uma interpretação magistral do actor Kôji Yakusho, narra a história de um empregado de limpeza dos mictórios públicos de Tóquio, com um quotidiano como se imagina nada aconselhável do ponto de vista da natureza do trabalho, mas que a personagem dignifica através da aceitação e coordenação quase poética do seus dias, onde depois do emprego, vivendo só, se dedica ao cultivo de plantas, à leitura de William Faulkner e Patricia Highsmith, à música e à fotografia. O filme é servido por uma formidável banda sonora de uma subtileza mágica, que nos conduz através da monotonia de uma existência que só nos toca a nós e jamais à personagem. Que até metade do filme pouco ou nada sabemos de Hirayama, sendo pessoa calada, secreta, interiorizando os sentimentos e só quando tocada pela poesia das árvores, de um pôr-do-sol, de um sorriso de criança se nos desvenda o seu profundo e abastado mundo interior. Há, contudo, uma segurança, um hermetismo, um desabrochar da sensibilidade que nos envolve e nos faz acreditar que não precisamos de ninguém em especial, mas carecemos de todos. O solitário é alguém disponível ao aceno indelével do outro. Aconselho vivamente os meus leitores a ver esta obra-prima. 

         - As damas de Zuckerberg andam aí há uma semana a podar. Numa mão a tesoura, na outra o Facebook. 

         - Os socialistas ainda por cima são velhacos. Andou Marcelo – que é cúmplice do estado em que nos encontramos – com o seu educando António Costa nas palmas da mão, sempre em acenos de simpatia e compreensão, amparando o primeiro-ministro nos seus desastres e, por consequência, desamparando-nos a nós, e vai-se a ver levantou-se durante o dito congresso dos ditos socialistas, um coro de vozes contra o inquilino de Belém. Marcelo devia saber que em política não há amigos. O espectáculo degradante do congresso dos, como se chamam mesmo, foi penoso, subserviente, coisa de gangues programando um assalto ao país. Social-democracia por social-democracia, que venham os originais -  pelo menos não nos enganam afirmando-se socialistas.  De todo o lado, quer-me parecer, que quem vai decidir tudo isto é o Chega. Se assim for, obrigado senhor António Costa. Aliás, se a minha memória não me engana, no tempo do falecido senhor Mário Soares, dizia-se que o CDS era de extrema-direita, mas esse facto não invalidou que o líder socialista o tenha chamado para o Governo. Todavia, entre o CDS e o Chega, vai uma diferença abismal. O primeiro, tinha ideias; o segundo tem paparrotada.