sábado, dezembro 26, 2020

Sábado, 26.

Eu, se os meus leitores bem se lembram, disse no início do ano que acreditava neste 2020 prestes a ser pontapeado do calendário do século XXI. Parecia-me pelo seu número redondo que trazia qualquer espécie de transformação pessoal benéfica que o mundo aproveitaria também. Foi o oposto. A arquitectura do vírus chinês foi tão bem desenhada ou mal manipulada, que um monstro com a dimensão de uma pulga, suplantou todos os exércitos, derrubou esquemas até aqui sólidos, confinou a uma vida quase vegetativa milhões de milhões de seres humanos e atirou para a morte um número ainda não contabilizado de vítimas. Tudo isto sem um tiro, sem uma bomba atómica, sem esquemas bélicos concebidos nos laboratórios militares, numa guerra barata, eficaz, que não só transverteu o mundo como destruiu todas as teorias económicas-socais que séculos de estudo nas universidades não previram. A própria vacina, parece estar em oposição, numa batalha desigual tendo o ser humano por campo de combate ou por experiência para o que um dia se conhecerá de assustador. Isto, para mim, não passa de um ensaio. O pior virá um dia, sem máscara nem gel desinfectante - pobres e modestas armas utilizadas pela humanidade para matar um bicho de uma crueldade atroz. As sociedades tal qual as conhecemos, desapareceram do mapa do progresso, a fome e a miséria expandiram-se, à luz da verdade crua ficou a mentira das nações ditas ricas, das políticas presunçosas apelidadas de sociais, numa assimetria que abraça no mesmo amplexo, iguais e incrédulos, todos os falsos regimes políticos do mundo. Se Hitler tivesse tido uma ideia assim tão destruidora e original, a Europa e o mundo estaria hoje sob a sua alçada cruel, com cidades e seus monumentos góticos intactos e biliões de seres humanos a trabalhar como escravos para satisfazer as loucuras de uma classe dirigente usurpadora dos mais elementares direitos à vida. Para a China, onde o regime ditatorial impera e nada deixa transparecer, o ano 2020 foi o rasgar de um futuro de expansão e domínio do mundo – o nuclear pode transportar-se numa caixa de rapé e chama-se coronavírus. 

         - António Costa tem razão: é muito difícil governar nesta altura como ser governado e só não erra quem não se habilita. O que eu reprovo a sua excelência é a governação montada na propaganda ininterrupta, aquele prazer e vaidade de fazer política assente no jogo dos interesses partidários, na derriba do adversário, ainda que tudo aquilo não dê pão ao esfomeado nem cura ao doente, antes serve uma classe que se compraz em admirar o candongueiro.  

         - Fixemo-nos agora no meu pequeno e modesto mundo, exercido prioritariamente à sombra das coisas do espírito, e daí olhemos o que nele houve de substancial. Em primeiro, o começo de um romance, a 10 de Fevereiro posto de lado depois de muitas tentativas frustradas; depois o recomeço a 11 de Junho, muito penoso, a apalpar terreno, sempre na incerteza da página seguinte, mas que tomou fôlego e me ocupa as manhãs e o cérebro todo o dia. Falo de O Matricida, cuja primeira parte está preste a terminar. De seguida dou graças a Deus por não ter tido nenhuma doença por pequena que fosse, e o trabalho diário para me tornar melhor. Passo por cima do desgosto de não ter ido a Budapeste em Abril e Paris em Outubro, factos sem importância tendo em vista o trabalho no livro, aqui na quinta, paisible, voluptas in tranquilittate.

         Para não falar nas longas e ternas horas de leituras. Costumo dar a conhecer as obras que me ocuparam os dias e os meses e este ano não fujo à regra. De todos os títulos aqui registados, saliento dois: A Lição do Sonâmbulo de Frederico Pedreira e São Paulo a biografia de N. T. Wright.   

Bíblia (Os livros Sapienciais) Tomo 2 – Trad. Frederico Lourenço

Journal Intégral (1919-1940) – Julien Green

Não Te Esqueças de Viver – Pierre Hadot

Douleurs du monde – Schopenhauer

Diário II - Virginia Woolf

Journal d´Espagne – Jean Chalon

Ensaios Escolhidos - T. S. Eliot

O Rei Lear – William Shakespeare

Manual de sobrevivência de um escritor - João Tordo

Volfrâmio – Aquilino Ribeiro

A Lição do Sonâmbulo – Frederico Pedreira

Diário Intimo – George Sand

Cartas de S. Paulo – Tradução Frederico Lourenço

La princese de Clèves – Madame de La Fayette

Cartas – Katherine Mansfield

Jornal Intégral (1919-1940) (releitura) Julien Green


    

         - Frio intenso. Tenho todas as lareiras acesas. Tentei ler lá fora ao sol, mas o vento gélido obrigou-me a recolher ao salão onde estou diante do fogo. Telefonou a Annie e o Lionel de Estrasburgo, a Gi e Maria Luísa da Foz, inúmeros amigos um pouco de todo o lado. A Noite de Natal ficou perturbada com a aflição da Piedade, em lágrimas, devido à violência do neto que a culpabiliza de não ter o filho consigo. Na origem a solidão e a dor afogada no álcool.