quarta-feira, dezembro 09, 2020

Quarta, 9.

Na ordem do dia está mais uma vez a nossa querida bandeira de soberania – a TAP. Esta como muitas outras companhias e instituições, vale não pelo seu preço, mas pelo desvario entre direita e esquerda. O ministro que a comanda, do alto da sua arrogância e prepotência, não olha ao país e muito menos aos trabalhadores, fulminado pela ideia que a empresa deve sobreviver por sobre tudo e todos. Diz ele que a TAP é o porte estandarte da soberania nacional. Para isso, que se lixem os milhares de despedimentos, os milhões que vão ser investidos, as lamúrias da direita – ele dá o peito pela sua causa. Ora, eu tenho para mim, que a soberania de um país é o seu povo, a sua instrução, a sua saúde, a organização séria e equilibrada da vida, a erradicação da pobreza, a dignidade dos velhos, políticos honrados e competentes, planeamento industrial e comercial, o país traçado a escopo e martelo com etapas que nos projectem e nos assegurem o futuro. A pobre criatura, com aquele seu ar de alucinada, tem na sub-cútis o desejo obsessivo de vir a ser alguém. Ambiciona para já o lugar de Costa, depois se verá. Pois que deixem estar António Costa com todas as suas magias e preservem-nos das figuras cinzentas travestidas de grandeza. 

          - Estive a dar uma olhada ao resto dos afilhados de Saramago. Nenhum me seduziu, uma pobreza franciscana desprende-se das suas palavras e gestos. Ao mais novo, Afonso Reis Tavares, aconselharia a leitura do livro de Gabriel Garcia Marques, Vivir para Contarla; aos outros que arranjem bagagem, vivam a vida e quando tiverem doses suficientes de dor e espanto, transportem-nas para a página em branco. 

         - Uma vez mais a história de racismo. Desta vez no futebol com o seu coro de fanáticos a impor-se sem perceber o que é o racismo, para a maioria daqueles grunhos soa mais a oportunismo. A moda, segundo percebo, é esta: se estás num país de brancos, não te surpreendas se vês um negro, ele por simbiose passa a branco e, portanto, não tens que o distinguir no teu discurso oral dos demais. Vê tudo negro ou branco, mas não digas que uns são negros e outros brancos. Quando muito, se fores imaginativo, inventa uma terceira pigmentação que te permita observares todos idênticos. De contrário, conforma-te: não passas de um rotundo racista. 

         - Borrifos de chuva que o vento espalha. Dia calmo, sem fermentação interior habitual. 22 linhas no romance. No salão ao crepúsculo, o computador sobre os joelhos, a lenha a crepitar na lareira. São 18 horas e 12 minutos. A tarde extingue-se devagar.