quinta-feira, agosto 13, 2020

Quinta, 13.
Até parece que tenho procuração para defender a menina Mortágua. Outro dia foi o banqueiro que a queria fora do país, hoje é a extrema-direita que lhe deu 48 horas, a ela e a mais duas deputadas, para desemparar o espaço nacional. Tudo porque as senhoras parlamentares, entraram na rixa entre o SOS Racismo e os grupelhos de direita que querem os estrangeiros fora de Portugal. Muito embora eles se tenham mascarado de Ku Klux Klan - à moda dos seus pares americanos-, suponho, por enquanto, que é dar-lhes importância exagerada. A democracia possui meios suficientes para acudir aos extremos, e não vale a pena à esquerda ocupar em permanência o campo ideológico como se fosse a guardiã única dos valores morais e cívicos. Numa sociedade moderna e democrática, são lícitas todas as actividades que produzem valores sociais de enquadramento humano e racial, moral e de equilíbrio – os excrementos são banidos.

         - Lá fui à abertura levar o carro ao médico. Pelo sexto ano sucessivo – à parte o alinhamento da direcção o ano passado – tudo estava nos conformes e sem precisão de o fazer passar pelo mecânico sorvedouro de 120 euros. Assim 600 euros economizei nestes derradeiros seis anos.

         - Por aqui entrou a alegria dos emigrantes. Não chegam à mancheia, mas os que aparecem trazem o olhar chocho que o brilho do sol português inunda de luz e felicidade. As casas estão em permanência de portas e janelas abertas, os pátios pejados de crianças, as mesas abertas sob latadas onde cachos de uvas espreitam, roçam mato que se acumulou, apanham figos e tomates que os familiares plantaram, ouvem-se as televisões aos berros dentro das divisões sem espectadores, nas varandas, colchas e tapetes estendidos para que o astro-rei coma o mofo, o húmus da ausência, impregne tudo da saudade sentida lá longe que os acompanhou até aqui, nas estradas de terra batida cruzam-se “banholas” luzidias. Toda esta animação não dá sossego ao sossego com que eles sonharam em terras estrangeiras. Dir-se-ia que o clima, a estadia fugidia, o desassossego dos dias, compõem o bouquet que os seus corações alvoroçados carecem. A terceira geração, aparentemente perdida, depressa se integra na corrente da consanguinidade Lusitânia. 


         - Fiz quatro frascos de compota de figo e ainda tenho fruto para mais um mês. Talvez volte a fazer outra rodada deste néctar dos deuses. Temperatura amena a desafiar-me para avançar no campo em pequenos trabalhos de limpeza. Romance a penates. Começo a acreditar que não tenho unhas para tocar semelhante instrumento. Desolação. Sentimento de falhanço. Fasquia demasiado alta para tão fraco artista. Passei no atelier do Fortuna com quem estive à conversa um certo tempo. É triste a idade, sobretudo quando nos repetimos sem darmos conta do enfado do nosso colocutor. Chá em casa do Raul e Glória. Amanhã, assim que acordar, vou apanhar uma cesta de figos para levar ao Igor que tão bem me acolhe na Brasileira e me defende dos intrusos.