Quinta,
13.
Até parece
que tenho procuração para defender a menina Mortágua. Outro dia foi o banqueiro
que a queria fora do país, hoje é a extrema-direita que lhe deu 48 horas, a
ela e a mais duas deputadas, para desemparar o espaço nacional. Tudo porque as
senhoras parlamentares, entraram na rixa entre o SOS Racismo e os grupelhos de
direita que querem os estrangeiros fora de Portugal. Muito embora eles se
tenham mascarado de Ku Klux Klan - à moda dos seus pares americanos-, suponho,
por enquanto, que é dar-lhes importância exagerada. A democracia possui meios
suficientes para acudir aos extremos, e não vale a pena à esquerda ocupar em
permanência o campo ideológico como se fosse a guardiã única dos valores morais
e cívicos. Numa sociedade moderna e democrática, são lícitas todas as
actividades que produzem valores sociais de enquadramento humano e racial,
moral e de equilíbrio – os excrementos são banidos.
- Lá fui à abertura levar o carro ao
médico. Pelo sexto ano sucessivo – à parte o alinhamento da direcção o ano
passado – tudo estava nos conformes e sem precisão de o fazer passar pelo
mecânico sorvedouro de 120 euros. Assim 600 euros economizei nestes derradeiros
seis anos.
- Por aqui entrou a alegria dos
emigrantes. Não chegam à mancheia, mas os que aparecem trazem o olhar chocho
que o brilho do sol português inunda de luz e felicidade. As casas estão em
permanência de portas e janelas abertas, os pátios pejados de crianças, as
mesas abertas sob latadas onde cachos de uvas espreitam, roçam mato que se
acumulou, apanham figos e tomates que os familiares plantaram, ouvem-se as
televisões aos berros dentro das divisões sem espectadores, nas varandas, colchas
e tapetes estendidos para que o astro-rei coma o mofo, o húmus da ausência,
impregne tudo da saudade sentida lá longe que os acompanhou até aqui, nas
estradas de terra batida cruzam-se “banholas” luzidias. Toda esta animação não
dá sossego ao sossego com que eles sonharam em terras estrangeiras. Dir-se-ia
que o clima, a estadia fugidia, o desassossego dos dias, compõem o bouquet que os seus corações alvoroçados
carecem. A terceira geração, aparentemente perdida, depressa se integra na
corrente da consanguinidade Lusitânia.
- Fiz quatro frascos de compota de
figo e ainda tenho fruto para mais um mês. Talvez volte a fazer outra rodada
deste néctar dos deuses. Temperatura amena a desafiar-me para avançar no campo
em pequenos trabalhos de limpeza. Romance a penates. Começo a acreditar que não
tenho unhas para tocar semelhante instrumento. Desolação. Sentimento de
falhanço. Fasquia demasiado alta para tão fraco artista. Passei no atelier do
Fortuna com quem estive à conversa um certo tempo. É triste a idade, sobretudo
quando nos repetimos sem darmos conta do enfado do nosso colocutor. Chá em casa
do Raul e Glória. Amanhã, assim que acordar, vou apanhar uma cesta de figos
para levar ao Igor que tão bem me acolhe na Brasileira e me defende dos intrusos.